Multinacionais estão otimistas com operação no Brasil e esperam alta nas vendas

Levantamento feito pela Folha com cem empresas mostra cerca de 80% de menções positivas ao país

Joana CunhaRafael Balago – Cleiton Otavio SÃO PAULO e SALVADOR

O humor das multinacionais que atuam no Brasil tem demonstrado sinais otimistas diante de um cenário de redução nas expectativas de inflação e perspectivas positivas sobre temas como a Reforma Tributária e o arcabouço fiscal.

Levantamento feito pela Folha a partir de teleconferências realizadas em maio e junho por cem multinacionais que atuam no Brasil identificou comentários positivos por parte dos executivos em 80% dos casos. Os outros 20% que citaram o país em suas declarações durante os eventos apontaram queixas ou algum tipo de preocupação.

O termômetro das multinacionais aponta boas perspectivas de vendas no país em áreas como alimentação, tecnologia, suprimentos agrícolas e medicamentos. Elas celebram melhoras na inflação e no poder de compra da população, assim como a perspectiva de uma boa safra agrícola neste ano e de um aumento da demanda chinesa, que avança em seu processo de reabertura pós-Covid.

São declarações como as de Tim Cook, CEO da Apple, que relatou um desempenho “estelar” em mercados emergentes de modo geral, com recordes trimestrais no Brasil, Índia e Malásia. Ele destacou bons resultados especialmente em serviços e nas vendas de iPhones.

Companhias de alimentos e bebidas como Kellogg (dona da marca Pringles), Hormel Foods (da Ceratti), a gigante cervejeira AB Inbev e a Brown-Forman (do uísque Jack Daniel’s) são algumas das que relatam crescimento de vendas ou apontam confiança nos próximos meses.

O aumento do salário mínimo, em maio, impulsionou as expectativas. “De janeiro a abril, os consumidores estavam lidando com a inflação alta e tinham seus salários do ano passado. A indústria teve bom desempenho. Mas agora você tem uma injeção extra de dinheiro e o poder de compra voltando aos consumidores”, disse Michel Doukeris, CEO da AB Inbev.

Analistas do mercado também veem um momento de melhora econômica na América Latina.

Segundo Karina Saade, diretora do fundo BlackRock no Brasil, os investidores globais estão mais otimistas com a América Latina, porque a região está mais adiantada em relação ao ciclo de juros. “Os bancos centrais saíram na frente e estão mais próximos do fim do ciclo de aperto monetário. O próximo movimento deve ser de queda de juros, ao contrário do que vemos na maior parte dos países desenvolvidos”, disse Saade em evento da consultoria Eurasia Group, no fim de junho.

Ela avalia que o interesse pela região também deve ajudar a atrair recursos relacionados à transição energética, como a exploração de reservas de lítio e cobre e a adoção de energia solar, além do movimento de nearshoring, de empresas americanas e europeias buscando retirar a produção da Ásia e realocá-la em países mais próximos.

Em conferência da Array Technologies, que oferece equipamentos de energia solar, o CEO Kevin Hostetler disse que a demanda vista no país é muito forte. “O Brasil será a grande história de sucesso para nós neste ano”, disse.

O otimismo abrange segmentos variados, como maconha medicinal, turismo e relojoaria. Keith Strachan, presidente da MediPharm Labs, que comercializa medicamentos feitos de cannabis, exaltou contratos de vendas para dois parceiros farmacêuticos e disse que o mercado brasileiro é promissor para a empresa. Brian Chesky, CEO do Airbnb, e Efraim Grinberg, do Movado Group, classificaram o país como um dos mercados relevantes para o crescimento internacional das empresas.

Entre as razões mais prováveis para a confiança, o professor do Insper Guilherme Fowler cita as expectativas pela Reforma Tributária, agora aprovada pela Câmara dos Deputados, além do reposicionamento da imagem do Brasil no mundo após a troca de governo e outros aspectos do ambiente econômico. Essa evolução se espelha na queda das estimativas de analistas para a inflação e percepção de maior afrouxamento monetário neste ano, com melhora na previsão de crescimento do PIB (Produto Interno Bruto).

Para Carlos Primo Braga, professor associado da Fundação Dom Cabral, essa percepção recente é positiva, mais do que no cenário de janeiro, e deve seguir pelos próximos meses, mas as multinacionais estão de olho nos valores macroeconômicos e no avanço reformista. Ele ressalva que, a despeito dos sinais de melhora, isso não quer dizer que o Brasil vai recuperar o grau de investimento tão cedo e que a situação fiscal ainda inspira cautela.

Em suas conferências com analistas, fabricantes de veículos ainda fizeram queixas de vendas fracas, especialmente de caminhões. Na indústria petrolífera, por sua vez, houve reclamações contra o imposto temporário sobre exportações de petróleo instituído pelo governo Lula na ocasião da retomada parcial dos tributos federais sobre a gasolina e o etanol, em março.

“O dano real desta taxa é na credibilidade [do Brasil], que precisa atrair muito capital para desenvolver seus recursos. Para nós, e para os mercados de capital, houve mais impacto na credibilidade do Brasil do que impacto financeiro”, disse Filipe Crisostomo Silva, CEO da Galp, petroleira de Portugal.

Sinead Gorman, diretor financeiro da Shell, disse ter considerado frustrante a criação da taxa, com possíveis impactos sobre investimentos relacionados ao clima, mas ponderou seu caráter temporário.

Para a alemã Daimler Truck, dona de marcas como Mercedes-Benz, as vendas fracas de caminhões no primeiro trimestre, como esperado após a adoção do padrão de motores Euro 6, poderiam ser amenizadas mais adiante. “Talvez no fim do segundo trimestre esperamos ver uma certa normalização, porque os vendedores ficarão sem estoques de caminhões Euro 5. Mas, de modo geral, para o ano todo, isso significará um mercado em baixa”, disse Jochen Goetz, CFO da empresa.

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