Grupo busca mobilização de usuários para regulação sobre abusividade

Representantes de usuários de portos montaram um grupo de trabalho para traçar estratégias para recorrer da decisão da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) que, em março, concluiu que não há abusividade de preços e que a prática de cobrança de sobre-estadia de contêineres no Brasil, em termos de custos e situações de cobrança, está ajustada à prática internacional. O grupo tem a participação da Associação Brasileira dos Usuários de Transportes e da Logística (Logística Brasil) e do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), que apresentaram recurso para o desarquivamento do processo, atualmente sob análise.

As entidades veem a necessidade de que os usuários se mobilizem, a fim de evitar que o processo permaneça arquivado e que o número de abusos apontados aumente. O tema é considerado um dos mais relevantes para a competitividade do segmento, na medida em que os valores de cobrança e execução de sentença por unidade de contêiner são tidos entre os mais altos do mundo.

O arquivamento do processo, iniciado em 2020, impediu a criação de uma metodologia para identificar abusividade no preço de demurrage e detention de contêineres. Na ocasião, a diretoria colegiada firmou o entendimento com 4 votos contrários e 1 a favor do argumento dos usuários. O diretor-presidente da Logística Brasil, André de Seixas, lembrou que o tema é debatido há seis anos e que, em 2019, houve decisão favorável do Tribunal de Contas da União (TCU) para inclusão da discussão na agenda regulatória da Antaq.

A primeira reunião do GT, realizada de forma remota nesta terça-feira (13), teve a participação de 36 empresas e instituições contrárias à decisão da agência. “Não concordamos com a decisão proferida pela Antaq. Recorremos e vamos ter que correr atrás de melhorar a regulação a nosso favor, nos organizarmos e nos unirmos, reduzindo assimetria de informações”, contou Seixas à Portos e Navios.

A partir do diálogo com a Antaq ao longo dos anos, o Cecafé identificou a necessidade de os usuários, em seus diferentes nichos, passarem a reportar mais seus problemas e apresentar denúncias à agência, com objetivo de contribuir com a melhora da regulação praticada. “Percebemos que a regulação existe, mas a Antaq só vai aprimorá-la se os usuários contribuírem para que ela tenha uma regulação harmoniosa. É preciso fortalecer a Antaq e ajudá-la a proporcionar um equilíbrio entre todos os agentes envolvidos no comércio exterior”, avalia o diretor-técnico do Cecafé, Eduardo Heron. Ele considera que o usuário de carga também deve se sentir responsável pela regulação praticada e subsidiar o regulador com informações.

O desafio, segundo o diretor, é trabalhar de forma coletiva, articulada, técnica e mostrar as fragilidades para que Antaq tenha a premissa de regular. Heron observa que a Antaq tem sido técnica e enfática nas colocações de que não tem como regular aquilo que não enxerga e que, sem denúncia e participação nas audiências públicas, não pode regular, sobretudo numa matriz pequena de casos. “Os usuários unindo forças conseguem mostrar para que a Antaq consiga regular de forma mais harmoniosa e equilibrada”, comentou. Ele acrescentou que um dos efeitos sofridos pelos usuários são milhões de reais pagos todos os meses, o que acaba retirando competitividade de todos. “Se o usuário não se incomodar com o que paga, nada será feito (…) A conta está ficando cara”, afirmou.

Para Seixas, da Logística Brasil, o modelo de regulação Antaq ‘ex-post’ é desfavorável para os usuários, na medida em que funciona mediante denúncia, em vez de ter uma fiscalização permanente. A Antaq justifica que faltam recursos e que o volume de denúncias representa um percentual pequeno diante dos 10 milhões de TEUs movimentados anualmente pelo setor no Brasil. “Chegamos num ponto em que não conseguimos mais avançar. Não temos um volume de denúncias que justifique a agência mudar o modelo dela. Se o usuário não é ativo, não adianta. Precisamos fundamentalmente de união de esforços em torno da regulação”, analisou.

O advogado Osvaldo Agripino, recomenda que um usuário que se sinta prejudicado precisa apresentar provas para que a Antaq possa abrir fiscalização e, eventualmente, analisar se tem condição de deferir uma liminar para suspender a cobrança abusiva. Para o jurista, importadores, exportadores e embarcadores na cabotagem e despachantes aduaneiros precisam estar sempre atentos para garantir seus direitos.

Ele lembrou o caso de uma cobrança de R$ 1,6 milhão, para uma carga que custava R$ 80 mil, por um agente de carga. Segundo o advogado, a falta de elementos pela Antaq à época fez com que fosse apresentado recurso ao TCU, determinando a inclusão do tema na agenda regulatória 2019/2020 da agência reguladora. “Estamos num ponto muito técnico e complexo que envolveu uma denúncia na Antaq lá atrás por um usuário”, salientou.

O advogado também considera que o usuário que faz algum tipo de acordo ou paga com desconto acaba adotando uma prática que prejudica outros usuários. Agripino espera que a presença de representantes dos usuários nos principais debates e consultas públicas seja maior — diferente da baixa adesão observada, com exceção de entidades específicas, nas discussões da resolução normativa 18/2017, atual RN-62/2021, que trata dos direitos e deveres dos usuários, transportadores e agentes intermediários.

Agripino frisou que a participação dos usuários é relevante para evitar que os órgãos reguladores recebam apenas informações dos prestadores de serviços. Ele acrescentou que representantes de armadores, terminais e agentes de carga são representativos e são vistos com frequência em Brasília e em eventos setoriais, onde têm oportunidade de defender seus interesses. “Observamos que não há como fazer uma regulação equilibrada se o usuário não participa da regulação”, alertou.

O desenvolvimento de metodologia para determinar abusividade na cobrança de sobre-estadia de contêiner, tema 2.2 da Agenda regulatória (2021-2022), foi considerado cumprido pelo colegiado e arquivado. A Antaq determinou que as superintendências de regulação (SRG) e de Fiscalização e Coordenação das Unidades Regionais elaborem uma base de dados com vistas à realização de diagnóstico futuro. A diretora-revisora do processo na Antaq, Flávia Takafashi, considerou que inexiste falha de mercado decorrente da prática de preços abusivos na cobrança de sobre-estadia que justifique uma intervenção regulatória da agência.

“Não ficou demonstrado com base em dados [do relatório da AIR] e em evidências que a demurrage de contêineres represente efetivamente falha de mercado que mereça intervenção regulatória mais incisiva [da Antaq]”, afirmou Flávia, durante a 539ª reunião ordinária. Ela foi contrária ao posicionamento da área técnica da Antaq e favorável pela manutenção do status quo, por entender não ser pertinente, neste momento, que a Antaq se manifeste sobre a natureza jurídica da cobrança de demurrage porque nem mesmo doutrinadores ou o poder judiciário chegaram ao entendimento consensual e também por haver dúvidas sobre a aplicação da natureza jurídica em relação ao Código Civil.

A agência também levou em conta eventuais custos para estabelecer cobranças ou métricas específicas de abusividade nos casos concretos. “Entendo que a agência ainda pode avançar mais no acompanhamento da temática com criação de banco de dados acerca das demandas encaminhadas à Antaq de modo a observar e entender como o mercado se comporta ao longo do tempo, fornecendo insumos para que a agência possa reavaliar a questão mais adiante caso assim entenda”, manifestou a diretora-revisora na reunião do colegiado.

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