The Economist: Três surpresas capazes de inflamar os mercados de commodities em 2024

Calma predomina nos mercados e ritmo do crescimento global deverá ser vagaroso, o que implicará em avanço modesto na demanda por matérias-primas; entenda o contexto

Estadão – 07/01/2024 | 15h22 – Atualização: 07/01/2024 | 22h38 – Foto: TABA BENEDICTOPublicidade – 5 min

Conforme a Rússia continua a castigar Kiev, as sanções ocidentais começam a prejudicar o Arctic lng 2, o maior projeto de exportação de gás do país agressor. No Mar Vermelho, por onde passa 10% do transporte marítimo mundial de petróleo, forças americanas estão dando seu melhor para repelir ataques de drones perpetrados por rebeldes houthi do Iêmen. Em 3 de janeiro, protestos locais impediram a produção de um campo de petróleo crucial na Líbia. Uma seca severa na Amazônia poderia atravancar envios de milho do Brasil, o maior exportador mundial do grão.

Ainda assim, de alguma maneira a calma predomina nos mercados de commodities. Após dois anos de elevações de dois dígitos, o índice Bloomberg Commodity, que cobre preços de matérias-primas, caiu mais de 10% em 2023. Os preços do petróleo, pouco abaixo de US$ 80 o barril, caíram 12% ao longo do trimestre passado e estão, portanto, bem abaixo dos níveis de 2022. Os preços do gás na Europa rondam seus menores níveis em dois anos. Grãos e minérios também estão baratos. Analistas preveem mais do mesmo este ano. O que, exatamente, seria necessário para agitar os mercados?

Depois que choques sucessivos inflamaram os preços no início da década de 2020, os mercados se adaptaram. A demanda, contida pelo consumo reprimido, tem sido relativamente moderada. Mas é a resposta da oferta aos preços elevados, na forma de um aumento na produção e de uma reformulação dos fluxos comerciais, que torna o mundo mais à prova de choques atualmente. Os investidores estão tranquilos porque os níveis de oferta de muitas commodities parecem melhores do que foram desde o fim dos anos 2010.

Vejamos o petróleo, por exemplo. Em 2023, um aumento na produção de países não pertencentes à Organização dos Países Exportadores de Petróleo e seus aliados, um grupo conhecido como Opep+, foi suficiente para suprir a elevação na demanda global — o que fez com que a aliança cortasse sua produção em cerca de 2,2 milhões de barris ao dia (b/d), uma quantidade equivalente a 2% da oferta global, numa tentativa de manter os preços estáveis. Não obstante, o mercado quase teve excedente no último trimestre. A firma de dados Kpler prevê uma média de oferta excedente de 550 mil b/d nos quatro primeiros meses de 2024, o que seria suficiente para repor os estoques aproximadamente aos níveis anteriores aos quentes meses de verão. Os novos barris virão do do Brasil, da Guiana e especialmente dos Estados Unidos, onde ganhos de eficiência estão compensando uma queda no número de poços em atividade.

Na Europa, compras frenéticas desde o início da guerra da Rússia e um inverno suave ajudaram a manter os níveis de armazenamento de gás em torno de 90% da capacidade, bem acima da média quinquenal. Assumindo que o clima será normal e que não haverá grandes perturbações, os estoques deverão permanecer próximos a 70% do total até o fim de março, segundo prevê a consultoria Rystad Energy, superando com facilidade a meta da Comissão Europeia, de 45% até 1.º de fevereiro. Os grandes estoques manterão baixos os preços do gás não apenas na Europa, mas também na Ásia, o que por sua vez incentiva mais transições do carvão para o gás em geração de energia no mundo inteiro. Isso colaborará para baixar os preços do carvão, já reduzidos por um enorme aumento na produção da China e da Índia.

A oferta minerada de lítio e níquel também está explodindo; a do cobalto, um subproduto da produção de cobre e níquel, permanece robusta, o que reduz preços de minérios verdes. Um aumento no plantio de soja e outros grãos (fora da Ucrânia) e o clima ameno fazem com que analistas projetem uma produção recorde em 2024-25, depois de um exuberante 2023-24. Isso pressionará as relações estoques-uso médias em exportadores de alimentos, um fator determinante de preços crucial, de 13% para 16%, um nível que eles viram pela última vez em 2018-19, afirma o banco holandês Rabobank.

A oferta abundante sugere um primeiro semestre sereno. Depois disso, os excedentes poderiam se estreitar. A produção de petróleo fora da Opep+ pode se estabilizar. Atrasos em alguns terminais de liquefação americanos originalmente projetados para começar a exportar em 2024 frustrarão esforços europeus de voltar a estocar gás. Preços baixos de grãos esmagarão as margens dos fazendeiros, ameaçando o plantio. Mercados ficarão mais expostos a choques, entre os quais três se sobressairão: uma acentuada recuperação econômica, clima ruim e estampidos militares.

Independentemente de as grandes economias evitarem ou não uma recessão, o ritmo do crescimento global deverá ser vagaroso, o que implicará num crescimento modesto na demanda por matérias-primas. A inflação também deverá cair, portanto as commodities terão menos apelo enquanto esteio financeiro. Mas alguma surpresa não é impossível. E parece menos provável vir da China, a costumeira indicadora de tendências nos mercados de commodities, que dos EUA, onde as taxas de juros logo poderão ser cortadas e um aparato de infraestrutura ganha impulso. O banco Liberum calcula que um aumento de 1 ponto porcentual em sua projeção de crescimento de PIB global anual aumentaria a demanda por commodities em 1,5%.

Fenômenos climáticos anômalos surtiriam um impacto mais profundo. O inverno europeu ainda não acabou, conforme evidenciado pela onda de frio que acaba de começar. Um longo período gelado poderia forçar a Europa a usar 30 bilhões de metros cúbicos de gás a mais, o que equivale a 6-7% de sua demanda normal, afirma a Rystad. Isso poderia pressionar a região a competir mais agressivamente com a Ásia por fornecedores. Uma surpresa climática seria mais perturbadora nos mercados de trigo, ainda mais se afetar a Rússia, a maior exportadora, que tem tido safras imensas desde 2022. Provisões para suprir escassezes diminuem. Graças ao aumento no consumo, previsto para atingir recordes nesta temporada, os estoques de trigo já caminham para seus níveis mais baixos desde 2015-16.

E o que dizer da guerra? Quatro quintos das exportações russas de alimentos são escoadas pelo Mar Negro, assim como 2 milhões de barris de petróleo ao dia. Batalhas navais poderiam influir nos preços, mas uma elevação na produção da Opep+ e pressões internacionais pela proteção dos carregamentos de alimentos acalmariam os mercados. Combates no Mar Vermelho, talvez ocasionados por uma campanha americana sustentada contra os houthis, poderiam fazer os preços do petróleo aumentarem 15%, afirma Jorge León, da Rystad — mas isso também poderá não durar muito. Uma guerra envolvendo o Irã e outros Estados do Golfo, que abrigam atualmente a maior parte da capacidade não usada, é o que realmente provocaria caos. A possibilidade de preços assustadores, como os previstos em março de 2022, quando o barril a US$ 200 pareceu possível, poderia retornar.

Seria necessário algo extremo — ou uma mistura de eventos menos extremos mas ainda improváveis — para os mercados de commodities serem pegos de surpresa. A coisa não é tão confortável quanto parece. Eles já foram surpreendidos por eventos similarmente improváveis várias vezes nesta década. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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