Tesouro propõe nova regra fiscal para substituir teto de gastos com base na dívida pública; entenda

Estadão – Foto: Fabio Motta/Estadão – Estadão – Por Adriana Fernandes – Atualização: 

Proposta permite crescimento das despesas acima da inflação a depender do nível e da trajetória do endividamento público

BRASÍLIA – Técnicos do Tesouro Nacional concluíram o desenho de uma reforma para a criação de um novo arcabouço das regras fiscais brasileiras. Com a proposta, publicada nesta segunda-feira, 14, na série “Textos para Discussão” do órgão no portal do Tesouro na internet, o órgão marca posição na defesa de uma regra de controle de gastos para o próximo governo.

Escrita por oito técnicos do órgão, o texto propõe uma regra de despesa para substituir o atual teto de gastos, vinculada a uma âncora fiscal que tem a dívida como referência. Enquanto o teto de gastos limita o aumento das despesas do governo à variação da inflação, a proposta do Tesouro estabelece um limite para o crescimento real (acima da inflação) da despesa da União, condicionado ao nível e à trajetória da Dívida Líquida do Governo Geral (DLGG). Em setembro, ela estava em 59% do PIB.

A proposta é divulgada no momento da transição para o terceiro mandato do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que prometeu na campanha revogar o teto de gastos (regra constitucional que limita o crescimento das despesas a cada ano à variação da inflação).

Entenda a proposta

O ponto central da proposta é: quanto maior o nível de dívida pública, menor será a taxa de crescimento real (acima da inflação) das despesas. Se a dívida estiver em trajetória crescente, o limite para a despesa será menor do que se a dívida estiver em trajetória declinante.

Pela proposta do Tesouro, os gastos do governo federal poderiam crescer acima da inflação em até 2,5% no cenário mais favorável. Esse patamar mais alto de alta dos gastos só poderia ocorrer com a dívida abaixo de 45%, trajetória decrescente e esforço para aumentar a arrecadação e fazer bons resultados primários para evitar uma farra de expansão de despesas.

Dado um cenário fiscal em que a dívida líquida se encontre acima de 55% do Produto Interno Bruto (PIB) — como agora, por exemplo –, haveria possibilidade de um crescimento real de 0,5% ao ano das despesas no caso do endividamento público estar em trajetória de queda. Se a dívida estiver em alta, não poderia haver crescimento real das despesas.

Para um patamar da dívida entre 45% e 55% do PIB, o crescimento real da despesa poderia ser de 0,5% (com alta da dívida da dívida) ou de 1% (com redução da dívida). Para dívidas abaixo de 45% do PIB, seria permitido crescimento real da despesa de 1% ou de 2% ao ano.

Além desses cenários, o modelo prevê uma “bonificação” no limite de crescimento da despesa de 0,5%. O bônus seria concedido quando o resultado primário das contas do governo for positivo e se encontrar em trajetória ascendente ou quando estiver acima de um determinado patamar. Se a meta fiscal não for cumprida, o Ministério da Economia teria de dar explicações, como ocorre com o Banco Central no sistema de metas de inflação. O custo neste caso é reputacional: não haveria punição aos gestores em caso de descumprimento da meta fiscal.

A reforma estabelece que a meta de resultado primário (receitas menos despesas, exceto o pagamento dos juros da dívida pública) se transforme num mecanismo de incentivo para manutenção do esforço de arrecadação. A ideia dos autores da proposta é que esse incentivo permita maiores taxas de crescimento da despesa em caso de bons resultados.

A proposta acaba com o contingenciamento (bloqueio) de despesas do orçamento, que tanta dor de cabeça tem dado à execução dos programas e políticas públicas dos ministérios.

A meta de resultado primário perde sua configuração atual, na qual há contingenciamento para seu cumprimento ou sanção em caso de descumprimento.

A proposta do Tesouro começou a ser escrita antes mesmo da eleição para inserir o órgão na discussão da proposta com o objetivo de fortalecer a sustentabilidade fiscal e orientar a política fiscal para o médio prazo.

O arcabouço conta ainda com gatilhos, que visam reduzir o ritmo de crescimento das despesas obrigatórias. Gatilhos são medidas adotadas pelo governo para conter a aceleração dos gastos.

O novo arcabouço também prevê cláusulas de escape — saídas para gastar mais em caso de cenários econômicos adversos, como ocorreu na pandemia da covid-19 e a guerra da Ucrânia, sem que seja preciso alterar a Constituição para suspender as regras em vigor.

Os autores destacam que a proposta pretende redirecionar a ênfase do planejamento fiscal brasileiro do curto para o médio prazo, por meio de comunicação clara da estratégia da política fiscal, sustentada por projeções críveis, transparentes e detalhadas. Com essa mudança de estratégia, eles esperam uma ancoragem das expectativas com impacto positivo sobre o custo de financiamento do governo.

Na proposta dos técnicos do Tesouro, há uma previsão para que o crescimento real da despesa seja fixado a cada dois anos. O objetivo é dar maior previsibilidade e capacidade de planejamento à política fiscal em comparação à fixação por apenas um exercício.

A avaliação é de que essa proposta facilitaria a formação e a ancoragem de expectativas, além de trazer maior estabilidade para a execução das despesas públicas no médio prazo, em especial dos investimentos.

Os técnicos reforçam que o prazo de dois anos reduz a possibilidade de que alterações na trajetória e no nível de dívida que sejam pontuais e não necessariamente decorrentes da gestão fiscal, por exemplo, ocasionadas pela flutuação macroeconômica.

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