Terminais, usuários e armadores divergem sobre cobrança adicional de armazenagem

Portos e Navios – Danilo Oliveira  Arquivo/Divulgação

Principal ponto em discussão é matriz de riscos de responsabilização proposta pela Antaq. Longo curso é contra intervenção regulatória. Terminais alegam falta de condições para apurar causador de prejuízos. Embarcadores pedem revisão em casos de retenção de carga durante greve da Receita

Agentes setoriais divergem sobre a necessidade de regulamentação da cobrança adicional de armazenagem. Terminais, usuários e armadores têm até a próxima sexta-feira (10) para enviar propostas à audiência pública promovida pela Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) sobre a responsabilização por este custo extra. A consulta, aberta em novembro passado, trata da proposta de alteração normativa, que veio após a agência ser chamada a se manifestar em processos de cobrança de sobre-estadias, por conta de omissões de escalas ou atrasos nos embarques das cargas de exportação. O objetivo é entender a quem a cobrança adicional de armazenagem deve ser direcionada: ao agente exportador, ao armador ou ao terminal portuário.

A diretora-relatora da Antaq, Flávia Takafashi, disse que a agência identificou uma lacuna nas normas sobre responsabilidade de arcar com esse custo e sobre atribuir uma responsabilidade da agência ao armador. Durante a audiência pública promovida na última segunda-feira (6), Flávia relatou que, diante do aumento das demandas sobre este problema regulatório, a Antaq decidiu discutir a matriz de risco de responsabilidade — tema que ganhou dimensão depois dos últimos acompanhamentos dos impactos do segmento de contêiner e da necessidade de atuação da Antaq aderente às novas dinâmicas de mercado.

O Centro Nacional de Navegação Transatlântica (Centronave) avalia, a partir dos dados disponibilizados pela Antaq, que existe preocupação do regulador em regulamentar o tema para evitar novas discussões e a dedicação excessiva de seu efetivo para tratar dessas questões. A entidade estima que os processos representem menos de 1% do número das atracações realizadas por mês e das movimentações de contêineres desde 2014. “Não parece ser uma questão que mereça intervenção regulatória tão profunda como a Antaq está propondo”, sustentou o advogado André Marques Gilberto, que representou o Centronave, que apresentará suas propostas até a próxima sexta-feira (10).

Para a entidade, o estabelecimento de uma matriz de riscos e responsabilidades não tem paralelo dentro da regulamentação da Antaq e parece excessivo com base nas informações disponibilizadas no relatório da análise de impacto regulatório (AIR). Na visão do Centronave, a melhor opção regulatória disponível para Antaq nesse caso é manter o status quo (opção não normativa) porque a legislação e a regulamentação já tutelam interesses discutidos na audiência pública e porque contratos livremente pactuados entre as partes dispõem da maneira que deveriam sobre a questão dos atrasos.

Os armadores de longo curso temem que a matriz de riscos gere conflito com disposições do Código Civil, pois observam situações em que elas não conversam com práticas do mercado. Gilberto mencionou que a matriz atribui responsabilidade por atraso por embarque da carga já armazenada em caso de ajustes na gestão náutica por intempéries ou por problemas de acesso ao canal do porto. A avaliação, entretanto, é que o tema envolve caso fortuito e força maior, que são tratados pelo Código Civil diferente da forma que a Antaq está estudando.

O Centronave entende que a matriz contém inconsistências importantes que não dialogam com a realidade do mercado. Uma delas a responsabilização dos armadores por atrasos em portos anteriores, por considerar que tais atrasos podem ter sido causados por diversas razões. “Podemos ter situação que vai resvalar para regras previstas no Código Civil com relação a caso fortuito e força maior e a Antaq pode acabar causando insegurança jurídica relevante”, analisou o advogado.

Ele apontou que os levantamentos da Antaq trouxeram casos diferentes das práticas de mercado, com a possibilidade de divergência com o Código Civil em relação à natureza da intervenção cogitada pela agência e a previsão da matriz de riscos e responsabilidades alocando a quem deve ser responsável. “A Antaq vai estar regulando situações que envolvem caso fortuito e força maior — matérias tratadas no Código Civil e temas envolvendo Direito Civil, em geral, constituem reserva legal de competência da União por força de dispositivo constitucional”, analisou Gilberto.

O advogado Osvaldo Agripino lembrou de um acórdão do ano 2000 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que entendeu não haver excludente de responsabilidade, por força maior ou caso fortuito, em ocorrências de mau tempo porque a responsabilidade do transportador é ‘responsabilidade civil objetiva’. Ele também citou outros acórdãos do STJ e de tribunais estaduais que consideraram não haver excludente de responsabilidade civil porque o navio deve cumprir prazos. Agripino ressaltou que, quando esse prazo é descumprido pelo navio e causa dano ao terminal e ao usuário, o risco é do armador, conforme apontado pela Antaq.

Agripino considera importante incluir na matriz de risco um limite da responsabilidade do usuário em casos de greve da Receita Federal, quando costuma haver episódios de retenção da carga que chegam a ultrapassar um mês. O entendimento do jurista é que o usuário deve pagar quando a carga ficar retida até 8 dias. “Se a Antaq imputar isso para a carga, vai gerar uma ação de regresso, vai violar a eficiência e a economia processual. O risco do usuário não engloba greve de servidores públicos, que são legítimas, mas precisam ter cautela quanto à responsabilidade quando houver excesso de prazo”, defendeu o advogado, que representou o Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé) e a Associação Brasileira da Indústria do Arroz (Abiarroz).

Ele considera que a Antaq está equivocada quando coloca a responsabilidade no comerciante após os 8 dias para análise do processo. Agripino entende que o terminal tem que direcionar a cobrança para quem deu causa e que o terminal poderá cobrar do causador da greve após os 8 dias. “Se os auditores federais passarem de 8 dias no desembaraço ou causarem danos a à carga terceiros, eles têm responsabilidade e existe precedente do STJ. A Antaq precisa fazer refinamento na matriz de risco”, argumentou.

Alexandre Moreira Lopes, do escritório Gallotti Associados, disse que os terminais de contêineres se viram prejudicados quanto à adimplência da cifra relacionada à sobre-estadia de armazenagem. Segundo o advogado, o terminal portuário não detém poder de polícia capaz de dar a ele condições para realizar a apuração do responsável pelo prejuízo e que seja viabilizada cobrança extrajudicial. “Essa ausência de poder de polícia faz com que o terminal, em vez de cobrar do usuário — efetivo beneficiado pela prestação do serviço da armazenagem, assumisse a internalização do prejuízo — assumindo a despesa ou judicializando a questão”, afirmou.

“De forma adequada a AIR traz a existência de uma lacuna regulatória que transmite insegurança jurídica aos atores na operação de exportação, sobretudo pela dificuldade encontrada pelo terminal portuário em identificar agente causador da armazenagem, que por vezes sequer é uma pessoa física ou jurídica e pode ser evento natureza que pode ser caso fortuito ou força maior”, acrescentou Lopes. Na abertura da audiência, o diretor-geral da Antaq, Eduardo Nery, comentou que alguns terminais levaram milhões de multas e trouxeram observações pertinentes à agência. Uma delas, segundo Nery, alega que o terminal não possui poder de polícia como têm a agência reguladora ou órgãos de controle para fazer apurações e sindicâncias.

Lopes, do Gallotti, disse que foi identificado que a Antaq busca, através de uma matriz de risco, trazer responsabilizações de cada agente com base no risco do negócio. A avaliação é que existe uma aparente dissonância entre entendimento da agência e do poder judiciário estadual sobre o risco do negócio do exportador. Por um lado, a Antaq afasta grande parte dos eventos causadores de sobre-estadia de armazenagem do risco inerente ao negócio do exportador, sobretudo relacionado a circunstâncias da navegação.

Por outro lado, o poder judiciário estadual interpreta que o usuário é beneficiário da prestação do serviço, devendo remunerar diretamente os valores relativos à armazenagem adicional e, caso entenda que existe prejuízo não causado por ele, que busque regressivamente entender quem deu causa ao processo. Lopes recomendou o observar as decisões estaduais com cautela.

“Não podemos ignorar que eventuais litígios relacionados a essas cobranças, seja entre armador e terminal, seja armador e exportador, seja terminal e exportador, desaguarão em medidas judiciais eventuais na Justiça estadual, a quem competirá fazer a análise do Código Civil à luz dos fatos”, observou. Ele acrescentou que a complexidade de identificar causadores é um sintoma de que a matéria não merece regulamentação.

O gerente de regulação da navegação da Antaq, Sérgio Oliveira, disse que muitas situações são judicializadas diretamente e não chegam para a agência. “O usuário é cobrado ou o terminal não consegue cobrar nem do usuário nem do transportador. O volume de inadimplências e situações decorrentes dessa cobrança acabam indo para discussão judiciária”, afirmou.

O superintendente de regulação, Bruno Pinheiro, acrescentou que a Antaq tem consciência de que a primeira opção em qualquer agência é não interferir quando mercado se autorregula. Ele ponderou que há poucos casos no AIR em comparação com atracações anuais, mas eles estão gerando cifras milionárias principalmente para terminais e embarcadores. “Às vezes para um problema pequeno tem terminal em que a cifra gira em R$ 10 milhões a 15 milhões. Não é só em um terminal que acontece isso. Talvez não esteja refletido no AIR. Por isso, a área técnica sugeriu as contribuições à diretoria”, comentou.

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