Minuta de norma sobre fiscalização tem pontos de melhoria, avaliam advogados

Texto da norma da agência reguladora foi objeto de crítica de representantes das principais associações do setor, prevalecendo um ‘tom favorável’ ao abrandamento das penas e de aplicação da proporcionalidade na imposição das sanções administrativas

A Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) realizou, recentemente, audiência pública sobre o aprimoramento da proposta normativa relacionada aos procedimentos administrativos que regulam as atividades de fiscalização, sob competência da autarquia. O processo recebeu contribuição do setor regulado, que enxerga pontos de melhoria. Para advogados ouvidos pela Portos e Navios, existem aspectos a serem ajustados na minuta para reduzir a insegurança jurídica, como também algumas evoluções nas regras, como no dispositivo de fiscalização responsiva.

O especialista em Direito Público e Contratual, mestre em Direito Político e Econômico,José Carlos Higa de Freitas, observou que o texto da norma disponibilizada pela agência reguladora foi alvo de críticas por parte de representantes das principais associações do setor, prevalecendo ‘um tom favorável’ ao abrandamento das penas e de aplicação da proporcionalidade na imposição das sanções administrativas.

“Existem alguns avanços na proposta normativa, como a aplicação da chamada fiscalização responsiva, método a ser aplicado com o objetivo de modular os atos de fiscalização em ações baseadas no comportamento e histórico do regulado. Esse instrumento pode ter papel importante, na medida em que incentiva o cumprimento espontâneo dos preceitos de regulação portuária, pautando a atividade de fiscalização conforme a postura adotada pela empresa regulada”, comentou à Portos e Navios o advogado, que é membro da Advocacia Ruy de Mello Miller (RMM).

A especialista em Direito Marítimo e sócia do escritório Kincaid Mendes Vianna Advogados, Camila Mendes Vianna Cardoso reforçou que a minuta da proposta foi objeto de inúmeros comentários por associações de classe e pelas próprias empresas do setor. “Penas como interdição, por exemplo, geram uma enorme insegurança jurídica, se sua utilização não for bem específica. Nesse particular, penalidades genéricas – como danos ao meio ambiente – também podem permitir graves equívocos em sua aplicação”, avaliou a advogada.

Na visão de Higa, do RMM, existem pontos em que a proposta não caminha tão bem: “Observa-se, por exemplo, o artigo 23 inciso I, que prevê a possibilidade de cassação, quando constatada a prática de ilícitos penais ou fiscais. Esse dispositivo parece extrapolar o âmbito de atuação da Antaq, atraindo a possibilidade de uma dupla punição e uma carga forte de insegurança jurídica”.

O especialista também avaliou que a nova norma traz alguns pontos que ‘beiram o contrassenso’, como a previsão de medidas cautelares voltadas à suspensão de certificados, licenças, operações, habilitações, autorizações ou demais liberações administrativas emitidas pela autarquia. “Nessa situação, ainda que esteja prevista somente a recomendação da cautelar pela fiscalização, que deverá ser confirmada pela Diretoria Colegiada da agência, em princípio, não se vislumbra os riscos iminentes aptos a justificar uma medida de tal natureza”.

Para Higa, nesse caso, o correto é a manutenção da possibilidade de recomendação desse tipo de medida, mas com a proteção e respeito ao devido processo legal, permitindo a aplicação desse tipo de penalidade somente ao final de um procedimento administrativo regular. Na opinião do advogado, outros pontos da proposta “padecem de obscuridade”, como a que prevê a utilização da Lei 9.784/1999, em relação à prescrição do exercício da ação punitiva da Antaq. “Ocorre que o referido diploma legal trata somente de uma hipótese de decadência em seu artigo 54, não havendo, portanto, qualquer referência à condição aventada nessa proposta normativa. E esse é um ponto que precisaria ser reformulado”.

Conforme Higa, a proposta normativa ainda utiliza muitos conceitos abertos, conferindo um alto grau de subjetividade na aplicação das penalidades previstas: “Dessa forma, acredito que seja salutar que os dispositivos fossem revistos, de forma a incorporar preceitos novos e importantes para a administração pública, como o de sopesar as consequências práticas de suas decisões”. Segundo o advogado, não basta apenas exigir que a fiscalização apresente a devida motivação, ou seja, cabe a motivação para que seja apresentada, demonstrando sua necessidade e adequação. “Cabe à agência reguladora indicar, desde então, parâmetros que possam ser utilizados para demonstrar a aplicação deste binômio”, sugeriu.

Higa disse que a proposta normativa, em discussão na Antaq, ‘flerta com o avanço’, quando traz o preceito da fiscalização responsiva: “Contudo, existem algumas inconsistências no texto apresentado, de forma que seja recomendável exaurir a discussão, em sede de audiência pública, observando todas as contribuições formuladas pelos agentes regulados. De forma ampla, a presença de conceitos abstratos exige que os procedimentos sejam detalhados com mais profundidade e com a finalidade de evitar possíveis abusos da fiscalização conferindo, assim, maior segurança jurídica a todos”.

O advogado avaliou que a mudança proposta não parece ter observado totalmente o papel da agência reguladora, que é a de buscar maior adesão aos seus preceitos, preservando não só o interesse público, mas também a convivência harmônica de usuários, arrendatários e autorizatários. “O objetivo em questão não será alcançado, se for mantido apenas o racional punitivo. Há de se estabelecer procedimentos de diálogo e incentivo, observando sempre o binômico de necessidade e adequação das medidas propostas”.

Procurada pela Portos e Navios, a Antaq não comentou o assunto até o fechamento desta reportagem. As contribuições da audiência pública 09/2022 poderão ser encaminhadas à agência reguladora até às 23h59 do próxima dia 30 de setembro.

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