Incerteza sobre troca no comando do BC dificulta convergência da inflação para meta

Na corrida pela cadeira de Campos Neto, Gabriel Galípolo e Paulo Picchetti têm a vantagem de já estarem em campo

Adriana Fernandes BRASÍLIA

A incerteza em torno da troca de comando do Banco Central têm dificultado a convergência das expectativas de inflação para a meta de 3% nos próximos três anos, aponta o chefe do Centro de Estudos Monetários do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), José Júlio Senna.

Uma outra razão, segundo ele, é a ausência de segurança em relação ao futuro das contas públicas.

Ex-diretor do BC, Senna avalia que por trás da desancoragem das expectativas de inflação está o temor dos investidores de que haja uma redução do empenho do Copom (Comitê de Política Monetária) em levar a inflação à meta com a mudança na presidência do banco, que ocorrerá no fim do ano.

José Júlio Senna, chefe do Centro de Estudos Monetários do FGV Ibre – Marcelo Freire

“As expectativas estão desancoradas por dois fatores: dúvidas sobre o futuro das contas públicas e incertezas associadas à troca de comando no BC. O problema é que o BC não controla esses dois fatores”, diz Senna à Folha.

As expectativas de inflação de 2026 e 2027 estão estagnadas em 3,5% há 39 semanas seguidas, e a de 2025 também está neste patamar há 29 semanas.

Elas tinham começado a cair um pouco antes da confirmação pelo CMN (Conselho Monetário Nacional) da meta de 3%, no final de junho do ano passado, mas logo em seguida ficaram paradas em torno de 3,5%, acima do patamar que vigorava em dezembro de 2022.

“Se houvesse confiança plena, teriam convergido para os 3%. Mas não convergiu”, afirma.

Para ele, o problema da transição no comando do BC não tem a ver propriamente com os nomes dos cotados. “É mais uma questão da incerteza que provoca”, diz.

Dois dos diretores do BC —Gabriel Galípolo e Paulo Picchetti— indicados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) estão na corrida pela cadeira de Roberto Campos Neto.

O economista do Ibre avalia como menos provável a chance de um nome diferente dos dois, de fora da diretoria atual do banco, ser escolhido pelo presidente Lula.

Galípolo se aproximou de Lula na campanha eleitoral e foi número dois do ministro Fernando Haddad (Fazenda) no começo do governo até ser indicado para a Diretoria de Política Monetária do BC.

Já Picchetti é diretor de Assuntos Internacionais e Gestão de Riscos Corporativos e cursou o mestrado em economia na USP (Universidade de São Paulo) no mesmo período em que Haddad, no início dos anos 1990.

“A escolha é do presidente Lula. É uma boa teoria de que o primeiro nome é sempre o nome mais forte”, disse.

Já Campos Neto tem defendido a antecipação no processo de transição no comando da autarquia, pela necessidade de o próximo presidente ser sabatinado pelo Congresso, que entra em recesso ao fim de 2024.

O atual presidente do BC costuma falar na necessidade de uma transição suave e nesta quarta-feira (3) afirmou que o mais importante para quem estiver sentado na cadeira é ter firmeza e saber dizer não.

“Seria bom fazer a sabatina este ano. Se um diretor for presidente interino, ele tem que passar por sabatina também”, disse o economista durante evento do Bradesco BBI, em São Paulo.

O próprio Campos Neto Campos avaliou que o cenário ficou mais difícil no último mês e meio para a inflação, sobretudo a de serviços.

Esse quadro torna mais desafiadora a continuidade do processo de desinflação no país para a convergência à meta.

O economista do Ibre destaca que, no leilão de terça-feira (2) de títulos do Tesouro atrelados à inflação (NTN-B), os juros reais subiram um pouco mais. O de prazo de vencimento em 2060 chegou a quase 6%.

“Sinal de desconforto do mercado, não apenas com relação à troca no BC e ao futuro do fiscal, mas também com a concreta possibilidade de a política monetária nos EUA seguir apertada por mais tempo do que se imagina”, diz Senna. Juros mais altos nos Estados Unidos dificultam a queda das taxas no Brasil.

Segundo ele, os BCs do Brasil e do mundo lutam agora para vencer a chamada “última milha” do combate à inflação. “Já se sabia que tal percurso seria o mais difícil. E enfrentam justamente esse problema”, afirma.

Senna lembra que expectativas acima da meta é um problema importante e exige mais da própria política monetária, sob a forma de juros reais mais elevados.

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