Falta de consenso deve fazer BC e governo travarem juros do rotativo com base em lei

Nesta quinta (21), haverá última reunião do CMN antes do fim do prazo de 90 dias para autorregulação do setor

Nathalia Garcia BRASÍLIA

Sem que a discussão sobre as mudanças do rotativo do cartão de crédito tenha chegado a um consenso no setor financeiro, o CMN (Conselho Monetário Nacional) deve, na reunião desta quinta-feira (21), apenas regulamentar a aplicação de um teto para taxas cobradas na modalidade.

Com isso, deve valer a limitação imposta por lei que estipula uma trava para que a cobrança dos juros do rotativo não exceda o montante original da dívida. Na prática, significa que o valor a ser quitado pelo devedor pode, no máximo, dobrar.

A regra está prevista na lei do Desenrola Brasil, sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no dia 3 de outubro. Além de tratar do programa de renegociação de dívidas, o texto prevê o teto para os juros do rotativo.

A trava passaria a vigorar se as próprias instituições financeiras não estabelecessem, no prazo de até 90 dias estipulado pela lei, uma proposta consensual para reduzir os juros do rotativo.

Como prevê a lei, a alternativa precisaria ser homologada pelo CMN. O colegiado é formado pelos ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Simone Tebet (Planejamento), além do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.

Os bancos insistem em limitar, em contrapartida pela mudança de regras, o parcelado sem juros no cartão —mecanismo que, para eles, encarece o crédito. A lei, porém, não faz nenhuma menção a essa modalidade nem manda restringi-la.

Enquanto os bancos argumentam que o parcelado sem juros aumenta a inadimplência e força a cobrança de juros altos no rotativo —que ultrapassam 400% ao ano—, as empresas de maquininhas de cartão e o comércio refutam essa premissa.

De acordo com esses setores, não há estudos públicos independentes que mostrem essa relação de causa e efeito, além de a inadimplência não ser maior nos prazos mais longos do que nos pagamentos à vista.

Segundo um membro do governo ouvido pela Folha, como não há consenso entre representantes do setor, a melhor saída será evitar decisões complexas ou apostar em inovações até que sejam feitos estudos mais aprofundados sobre a questão.

Publicamente, Campos Neto tem dito que o BC não pretende fazer mudanças que afetem a capacidade de compra da população brasileira e que é preciso olhar para o longo prazo no debate.

A resolução do CMN deve detalhar pontos da medida na tentativa de reduzir as lacunas sobre a operacionalização do novo limite de juros. A ideia é também abrir espaço para regulamentações futuras e facilitar eventuais ajustes, caso se mostrem necessários.

O tema continua em discussões internas no governo e novas avaliações podem ser consideradas até o momento da reunião do CMN nesta quinta.

Esse será o último encontro ordinário do colegiado antes do encerramento do prazo de 90 dias para a autorregulação, em 1º de janeiro de 2024.

Embora não seja o caminho mais provável, segundo relatos, Haddad, que preside o CMN, também pode convocar uma reunião extraordinária nos últimos dias do ano.

Desde outubro, o Banco Central vem se reunindo com representantes de bancos, adquirentes (que fazem a intermediação de pagamentos), cartões e varejo para elaborar a regra do rotativo.

No primeiro encontro depois da sanção da lei do Desenrola, a autoridade monetária apresentou uma proposta para limitar, em um primeiro momento, as compras parceladas sem juros em, no máximo, 12 vezes.

Os bancos, que querem a limitação do número de parcelas de compras sem juros, defenderam um escalonamento até chegar a três parcelas. A proposta foi rejeitada pelos demais presentes.

No dia 7 de novembro, a autoridade monetária recebeu propostas de diferentes entidades e sinalizou, segundo relatos, que iria estudar a questão com base em dados próprios.

Na ocasião, a Abranet (Associação Brasileira de Internet), que representa empresas como Mercado Pago, PagSeguro (pertencente ao Grupo UOL —que tem participação minoritária e indireta do Grupo Folha, que edita a Folha) e PicPay, sugeriu um parcelamento da soma do saldo passado e do saldo a vencer, com juros menores do que no rotativo e que respeitem o limite de 100% da dívida principal.

O número de parcelas seria negociado pelos bancos diretamente com os clientes.

A Abecs (Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços), representante de parte das empresas de maquininhas de cartões, emissores e bandeiras, levantou a hipótese de encurtar o prazo de permanência no rotativo daquele cliente que não paga a fatura integral do cartão.

Hoje, esse limite é de 30 dias. Desde 2017, os bancos são obrigados a transferir a dívida do rotativo para o crédito parcelado, que tem juros mais baixos, após um mês.

Com a redução do prazo, a fatura em aberto ficaria menos dias sob o efeito dos altos juros do rotativo.

Já a Abipag (Associação Brasileira de Instituições de Pagamentos) apresentou estudos feitos por especialistas mostrando que o parcelado sem juros não está relacionado ao aumento do risco no crédito, desconstruindo a tese que tem sido usada pelos bancos no debate.

Nos últimos dias, Haddad se reuniu com representantes dos dois elos do mercado para dialogar sobre o tema. Bradesco, Itaú, Nubank e Santander desenharam uma nova regra a partir do desdobramento do que é estabelecido pela lei do Desenrola.

No encontro com o ministro da Fazenda, em São Paulo, o setor bancário sugeriu uma proposta mais ampla, que limitaria o valor dos juros para todos os financiamentos contratados com o cartão de crédito a 100% do valor devido. Por causa da complexidade, a alternativa não será levada adiante nesse primeiro momento.

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