EUA deveriam rejeitar falsa promessa do protecionismo

Economia americana sofre com a desigualdade e mau desempenho da mão de obra, mas isso não se deve ao comércio internacional

O protecionismo está de volta, acima de tudo nos Estados Unidos. As forças que o propelem são a xenofobia e a nostalgia. É possível argumentar em favor de certo grau de autossuficiência, por motivos de segurança nacional. Mas esses argumentos teriam de ser meticulosamente avaliados. Não é isso que vem acontecendo, com certeza não na gestão de Donald Trump. No entanto, embora o tom seja diferente sob Joe Biden, a realidade, infelizmente, não mudou. Pelo contrário: o protecionismo se tornou uma das poucas questões em torno das quais existe consenso bipartidário.

O comunicado divulgado pelos líderes do G7 afirmava que “concordamos em garantir nossa futura prosperidade ao defender um comércio mais livre e mais leal, dentro de um sistema de comércio reformado”. Isso oculta o racha entre os Estados Unidos, que têm dúvidas cada vez mais fortes quanto ao comércio internacional, e a Alemanha, que depende do comércio para sua prosperidade, o que se aplica a todos os países de alta renda, mas tamanho menor.

O problema dos Estados Unidos é que o protecionismo —um imposto sobre a economia doméstica, especialmente os consumidores, em benefício dos produtores— é um substituto politicamente aceitável, mas ineficiente, para uma rede bem planejada de previdência social. Os europeus têm muito a aprender com os Estados Unidos, especialmente sobre inovação. Mas quanto a combinar comércio aberto e segurança econômica pessoal, e assim se ajustar ao comércio internacional, eles estão muito à frente.

Em uma esplêndida polêmica recente, o economista Adam Posen rebate frontalmente os argumentos protecionistas. Ele aponta, especialmente, que longe de serem excepcionalmente abertos ao comércio internacional, os Estados Unidos são relativamente fechados. Longe de ter passado por um grau excepcional de abertura nas duas últimas décadas, o país vem se tornando menos aberto. Longe de ter sido excepcionalmente abalado pelas importações vindas da China, para cada emprego americano perdido para competidores chineses, cerca de 150 postos de trabalho foram perdidos para “choques que criam sensação semelhante em outros setores”. E longe de ser uma vítima única do declínio do emprego na indústria, o que aconteceu nos Estados Unidos também está acontecendo nas demais economias de alta renda.

Sem dúvida a economia dos Estados Unidos sofreu com a desigualdade elevada e crescente e com o mau desempenho de sua força de trabalho; o nível de emprego dos adultos em idade de trabalho foi ficando cada vez mais para trás com relação ao da maioria dos integrantes do G7. Mas esses fenômenos não podem ser atribuídos ao comércio, porque os Estados Unidos são menos abertos do que outros países, mesmo o Japão. As verdadeiras explicações incluem o surgimento de novas fortunas em setores inovadores, mas também o comportamento rentista que prevalece na economia e, não menos, a falta de apoio à renda e ao trabalho (especialmente ao das mães, nessa última categoria).

Por que as perdas de empregos industriais se tornaram tão salientes em termos políticos? Parte da resposta é que se trata de empregos ocupados primordialmente por trabalhadores brancos e homens.

Mas isso também aconteceu porque, nos Estados Unidos, a inexistência de um sistema universal de saúde e a falta quase completa de apoio ao retreinamento e busca de emprego faz da perda de um emprego também uma perda de segurança básica. Uma economia moderna se torna mais, e não menos, flexível quando a segurança do trabalhador é separada de um trabalho específico.

Na ausência daquilo que os dinamarqueses chamam de “segurança flexível”, o protecionismo pode parecer inevitável. Mas nada trará de volta os velhos empregos industriais. Robôs substituirão os operários nas linhas de montagem de todo o planeta. A indústria terminará como a agricultura —fantasticamente produtiva, mas sem empregar trabalhador algum na produção. Como aponta Posen, a nostalgia não é uma política sensata.

Há a opinião, por exemplo, de que a pandemia provou que as cadeias de suprimento estendidas são perigosas. O oposto é verdade. Depois da escassez inicial, surgida por conta de uma procura inesperadamente forte, a oferta disparou. Depender da produção interna não teria resolvido isso. Existe um problema hoje com o suprimento de vacinas, mas isso se deve a uma escassez mundial de capacidade de produção e à força da demanda vinda dos ricos.

Sim, existem argumentos em favor de manter a liderança tecnológica em setores vitais e de assegurar o suprimento de produtos essenciais. Mas essas preocupações precisam ser definidas e tratadas de forma precisa. Acima de tudo, na competição econômica com a China, a estabilidade democrática e o investimento em pessoas, infraestrutura e inovação serão os fatores decisivos.

Enquanto isso, o prosseguimento do comércio internacional em todo o mundo não só cimentará a interdependência mútua mas embasará a prosperidade, especialmente a dos países mais pobres, como enfatiza o excelente Relatório do Banco Mundial sobre Desenvolvimento, edição 2020, que se concentra em cadeias de suprimento e desenvolvimento. Isso também é compatível com enfrentar a mudança do clima, sob as políticas corretas decididas por acordo mundial.

O G7 está certo ao afirmar que o sistema de comércio mundial precisa de reforma. Mas isso não deve significar destruição. Não deveríamos jogar fora o comércio liberal pelas razões erradas, e da maneira errada.

0 respostas

Deixe uma resposta

Want to join the discussion?
Feel free to contribute!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *