Donos de carga devem contribuir com denúncia no Cade contra concentração de mercado

ABTP, que entrou com representação, apontou evidências de fechamento de mercado em todas as regiões do país e pede ao órgão antitruste investigação sobre supostas práticas anticoncorrenciais dos grupos controladores de terminais vinculados a armadores que prejudicariam terminais independentes


Representantes de donos de carga terão a oportunidade de contribuir com a denúncia contra a MSC e a Maersk no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), protocolado pela Associação Brasileira dos Terminais Portuários (ABTP). No documento, apresentado na última sexta-feira (14), a associação aponta evidências de práticas de fechamento de mercado em todas as regiões do país, em detrimento de soluções logísticas mais eficientes para os usuários, e pede ao órgão antitruste uma investigação sobre supostas práticas anticoncorrenciais dos grupos controladores de terminais vinculados a armadores que prejudicam os terminais independentes.

O argumento da ABTP é que as duas empresas abusam da dominância no transporte marítimo de contêineres para favorecer seus próprios terminais portuários ao longo da costa brasileira, aumentando custos e reduzindo as opções para escoamento da carga. O documento destaca que, no Brasil, MSC e Maersk são responsáveis por 79% dos contêineres — 53% de forma direta e outros 26% por meio de acordos comerciais — que são transportados ao longo da costa brasileira.

A denúncia aponta ainda que o controle da carga no mar possibilitou a escolha mais frequente pelos sete terminais portuários controlados pelos dois grupos no país, a despeito dos demais terminais localizados em portos mais próximos da origem/destino da carga transportada. Hoje, os terminais dessas empresas respondem pela movimentação de quase metade da carga conteinerizada que passa pelo país.

O diretor-presidente da ABTP, Jesualdo Silva, salientou que o problema se estende por toda a costa brasileira, não sendo restrito ao Porto de Santos e ao debate sobre a participação dos grupos econômicos da Maersk e da MSC na licitação do STS-10. “O problema não é localizado em Santos. As práticas abusivas de direcionamento de cargas estão sendo feitas pelas duas empresas para terminais que elas têm acordo no Brasil todo, em detrimento dos outros terminais [independentes]. Existem outros terminais porque existem demandas das cargas conteinerizadas naquelas regiões onde elas estão”, analisou Silva em entrevista à Portos e Navios.

A ABTP pediu urgência na apuração por entender que, com base na Lei Antitruste (12.529/2011), esse tema é passível de avaliação pelo Cade. “Uma vez que entramos com essa representação, entendemos que outras associações devem procurar o Cade, abertamente ou em sigilo, para se manifestar. Algumas empresas sinalizaram que devem fazer isso. Outras se colocaram à disposição para serem ouvidas”, contou Silva.

O documento enviado ao Cade demonstra que essas empresas vêm intensificando as omissões (blank sailings), cancelamentos ou reduções de escalas de seus navios a terminais que não são ligados a elas, além de discriminar preços e condições de frete em benefício dos terminais que operam. A ABTP também identificou negativas de oferta e espaço em navios ou disponibilização de contêineres vazios para carregamento nos terminais concorrentes; espaço em navios condicionado à contratação de serviços logísticos terrestres fornecidos por esses armadores; e inserção de cláusulas discriminatórias em acordos de compartilhamento de embarcações para benefício exclusivo dos terminais dos grupos denunciados.

“A representação traz indícios robustos que evidenciam o desvio indevido da carga transportada pela MSC e Maersk para seus próprios terminais de contêineres, a despeito da maior eficiência e menor custo de outros terminais concorrentes”, destacou o diretor-presidente da ABTP. Silva acrescentou que os dados comprovam uma atuação claramente anticompetitiva – o chamado ‘self preferencing’.

Ele mencionou que a falta de regularidade na atracação de navios no porto mais próximo, ou preço e tempo de entrega incompatíveis com a necessidade do dono da carga, podem fazer com que determinadas empresas, no longo prazo, decidam mudar de cidade, ou priorizar plantas instaladas em outras regiões, gerando distorções no desenvolvimento econômico regional promovido de modo ‘artificial’ e ‘anticompetitivo’ pelas práticas denunciadas, além de aumento de custos logísticos. “Nessa denúncia que fizemos no Cade, falamos que eles (MSC e Maersk) têm concentração no mar, trazem mais de 80% contêineres da costa brasileira. Não tem problema eles terem terminais. Eles podem competir, mas a carga tem direito de escolher o melhor porto para ser escoada”, defendeu Silva.

Ele salientou que a ABTP não é contra a verticalização, mas vê que, dos 19 terminais de contêineres molhados no Brasil, 7 estão diretamente ligados aos armadores denunciados. A ABTP identifica mais de 50% da movimentação de contêineres, enquanto a movimentação de alguns terminais independentes vêm caindo. A avaliação é que, hoje, a situação em Santos está mais sob controle devido às limitações de espaço físico do Tecon operado pela Brasil Terminal Portuário (BTP).

“Não somos contra a verticalização. Falamos de práticas abusivas de concentração de mercado que não podemos permitir. Na parte terrestre, está em tempo de as autoridades competentes olharem. Colocamos elementos e não temos dúvida de que eles chegarão à conclusão que chegamos. Quando o Cade chamar as cargas, vão entender”, acredita Silva.

Procurada pela Portos e Navios, a MSC informou que não vai comentar o assunto no momento. Até o fechamento desta reportagem, a Maersk não havia enviado um posicionamento sobre a denúncia.

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