Antaq não vê elementos que comprovem abusividade na cobrança de sobre-estadia de contêineres

Arquivo/Divulgação

A diretoria colegiada da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) decidiu, em votação de processo aberto em 2020, que o relatório de análise de impacto regulatório (AIR) não identificou de forma categórica elementos que comprovem abusividade na cobrança de sobre-estadias de contêineres (demurrage). Em reunião na última semana, os diretores acompanharam o voto da diretora-revisora, Flávia Takafashi, e fecharam o entendimento de que a agência não deve se manifestar, neste momento, sobre a natureza jurídica dessa cobrança, sendo desnecessário o estabelecimento de métricas ou metodologias sobre os preços. Portos e Navios apurou que a decisão causou forte descontentamento dos usuários, que analisam os impactos para os tomadores do serviço logístico.

Flávia, que havia pedido vistas em setembro passado ao divergir do relator à época, José Renato Fialho, considera que inexiste falha de mercado decorrente da prática de preços abusivos na cobrança de sobre-estadia que justifique uma intervenção regulatória da agência. Após as vistas, a decisão havia sido postergada em outras quatro reuniões de diretoria. “Não ficou demonstrado com base em dados [do relatório da AIR] e em evidências que a demurrage de contêineres represente efetivamente falha de mercado que mereça intervenção regulatória mais incisiva [da Antaq]”, afirmou Flávia, na última quinta-feira (23), durante a 539ª reunião ordinária.

O desenvolvimento de metodologia para determinar abusividade na cobrança de sobre-estadia de contêiner, tema 2.2 da Agenda regulatória (2021-2022), foi considerado cumprido pelo colegiado e arquivado. A Antaq determinou que as superintendências de regulação (SRG) e de Fiscalização e Coordenação das Unidades Regionais elaborem uma base de dados com vistas à realização de diagnóstico futuro. “Entendo que a agência ainda pode avançar mais no acompanhamento da temática com criação de banco de dados acerca das demandas encaminhadas à Antaq de modo a observar e entender como o mercado se comporta ao longo do tempo, fornecendo insumos para que a agência possa reavaliar a questão mais adiante caso assim entenda”, disse a diretora-revisora.

Flávia foi contrária ao posicionamento da área técnica da Antaq e favorável pela manutenção do status quo, por entender não ser pertinente, neste momento, que a Antaq se manifeste sobre a natureza jurídica da cobrança de demurrage porque nem mesmo doutrinadores ou o poder judiciário chegaram ao entendimento consensual e também por haver dúvidas sobre a aplicação da natureza jurídica em relação ao Código Civil. A agência também levou em conta eventuais custos para estabelecer cobranças ou métricas específicas de abusividade nos casos concretos.

A demurrage de contêiner é conceitualmente o valor que se paga ao dono do contêiner que detém o equipamento como propriedade ou leasing. O importador tem prazo para devolver o contêiner vazio ao dono ou ao responsável e, quando isso não ocorre no prazo, paga um valor relativo à demurrage do equipamento. A revisora ponderou que o apontamento da área técnica com relação à ampliação da transparência das informações de sobre-estadia é uma medida necessária que vai trazer uma base de dados mais robusta para que a agência possa reavaliar a medida regulatória proposta.

Flávia acredita que a resolução 62/2021 (direitos e deveres dos usuários, dos agentes intermediários e armadores) já estabelece obrigações, uma vez que transportadores marítimos de longo curso e de cabotagem, bem como intermediários, devem observar permanentemente condições de prestação de serviço adequado. Esta lista inclui a adoção de preços, fretes, taxas e sobretaxas em bases justas, transparentes e não discriminatórias que reflitam o equilíbrio entre custos de prestação de serviços e benefícios oferecidos aos usuários, permitindo melhorias e expansão dos serviços além da remuneração adequada.

Usuários do serviço de transporte vêm protocolando junto à agência uma série de denúncias envolvendo principalmente navegações de cabotagem e de longo curso, aos quais se insurgem possíveis práticas abusivas. Os embarcadores apontam irregularidades de transportadores de contêineres ou agentes intermediários quanto à cobrança relacionada ao período adicional de permanência do contêiner na posse do contratante do serviço, impondo um ganho ou spread em favor do transportador acima do patamar considerado razoável. Eles cobram a reposição de possíveis danos e prejuízos provenientes da indisponibilidade do equipamento para retorno à atividade.

Flávia concluiu que, a princípio, o relatório da SRG/Antaq não identificou imposição de preços abusivos nos casos concretos analisados pela área técnica. Ela mencionou que, em contrapartida, a setorial técnica apontou que, apesar de não haver preços abusivos que podiam ser identificados, a agência não possui atualmente política ou posicionamento regulatório sobre o assunto.

O diretor-geral da Antaq, Eduardo Nery, avaliou que o encaminhamento da matéria foi bem dado e ressaltou que a AIR não identificou falhas de mercado. Nery disse que, assim como Flávia, também pediria vistas desse processo por ter ressalvas e entendimento diferente do relator à época. Segundo Nery, a cobrança da demurrage é uma premissa indiscutível no setor. Ele acrescentou que questões de detention e demurrage são apreciadas com muita frequência pelo colegiado, porém foram raros os casos em que foi discutida a abusividade do preço cobrado, na medida em que normalmente os processos envolvem quem deu causa à cobrança.

Quando estava na posição de diretor-relator, José Renato Fialho, havia votado para encaminhar à consulta pública uma proposta de resolução normativa a fim de disciplinar uma metodologia para determinar abusividade na cobrança sobre-estadia de contêineres ao apurar casos concretos. Na reunião da última semana, o diretor Wilson Pereira de Lima Filho não se manifestou nessa apreciação porque preencheu justamente a vaga ocupada anteriormente por Fialho, que já havia votado.

Flávia pontuou que a natureza jurídica da demurrage é divergente até mesmo entre os principais doutrinadores que estudam o assunto, havendo aqueles que defendem tratá-la como cobrança de natureza indenizatória, de forma a buscar reparar pela disponibilidade de equipamento, fato gerador da cobrança de frete.

Há também os que entendem que este instituto, ao longo do tempo, se distanciou da natureza originária de mecanismo de proteção dos transportadores e passou a representar mais uma fonte de receitas para eles, na medida em que a cobrança muitas vezes extrapola o valor do frete que seria percebido em um mesmo período de tempo em que o contêiner permaneceu de forma intempestiva sobre a posse dos tomadores do serviço de transporte.

Uma terceira frente prega que a cobrança de demurrage possui natureza de cláusula penal, admitindo espírito inibidor da conduta adversa de retenção de contêiner pelo tomador de serviço, sem se afastar o caráter indenizatório decorrente dos lucros cessantes para o transportador. Esta tese foi encampada pela setorial técnica de regulação, acrescentando que o código Civil brasileiro impõe limites para utilização da cláusula penal, não devendo ser superior ao valor da obrigação principal.

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