Amplo sistema de tecnologias promete revolucionar modelos de negócios nos portos do mundo

Portos e Navios – Marjorie Avelar PORTOS E LOGÍSTICA 20/11/2022 – 17:53

Uma crise sanitária mundial sem precedentes, que levou milhões de pessoas ao isolamento social e consequentemente ao trabalho remoto, trouxe momentos de ansiedade e novas expectativas quanto ao futuro da população de todo o planeta, após a pandemia de Covid-19. Por outro lado, foi um período crucial que impulsionou a aceleração de importantes processos de transformação digital nos negócios. E o que era esperado para ser implantado entre cinco – na melhor das hipóteses – e dez anos teve de ser antecipado, para acompanhar um mundo cada vez mais globalizado e conectado.

A chamada “Indústria Porto 4.0”, inserida na 4ª Revolução Industrial, inclui uma gama de sistemas de tecnologias avançadas, como Inteligência Artificial (IA), robótica, Internet das Coisas (IoT) e computação em nuvem. As inovações mudam os modelos de negócios nos portos do mundo, incluindo os do Brasil. “Os mais recentes efeitos são as melhorias nas trocas de informações, na eficiência dos processos e na criação de novas funções e cargos, em diversos segmentos da indústria portuária”, diz o diretor executivo do Instituto de Capacitação Profissional (Incatep), João Gilberto Campos.

Portonave

CEO da NavalPort Tecnologia, Marcos Santiago, ressalta que, apesar da importância do modal aquaviário para a economia mundial, levando em conta que mais de U$ 32 trilhões por ano circulam pelos portos e terminais portuários em trocas comerciais entre vários países, esse setor sempre foi uma indústria altamente conservadora em termos de inovações. “Não é à toa que planilhas eletrônicas e sistemas legados (plataformas em obsolescência, que estão em uso por uma empresa por muitos anos) ainda são os principais recursos tecnológicos utilizados no mundo. Entretanto, a pandemia trouxe desafios extras às operações portuárias, já extremamente defasadas quanto ao uso de ferramentas tecnológicas, diante da necessidade de os times trabalharem remotamente, em um primeiro momento. A partir da crise sanitária global, a tempestade perfeita se formou”, lembra Santiago.

Ele avalia que, de repente, o mundo passou a viver remotamente e o setor marítimo/portuário não dispunha de instrumentos para enfrentar com qualidade tal situação. “Para mim, a tragédia da pandemia foi o grande estopim na mudança do mindset portuário, pois as tecnologias da indústria 4.0 já estavam consolidadas. O que faltava era virar a chave cultural dos gestores dessa extensa cadeia do transporte aquaviário.”

Na visão do CEO da NavalPort, outro detalhe de grande relevância é a questão das ações sustentáveis de ESG (Ambiental, Social e Governança, em português) como necessidade de adequar as práticas da indústria marítima à pauta da sustentabilidade. “Hoje, as tecnologias como IoT, Big Data, digitalização inteligente, entre outras, trazem sustentabilidade e aumentam a rentabilidade do negócio, pois descarbonizar é, primeiramente, ser eficiente e mais eficiência promove maiores lucros financeiros e ambientais para toda a cadeia”, analisa.

Ele exemplifica citando as atividades que reduzem a estadia da embarcação, especialmente na fase de fundeio (espera), que é fundamental para diminuir o consumo de combustível e consequentemente a pegada ambiental, aumentando a lucratividade do modal e de toda a cadeia industrial da economia. “Os portos mais previsíveis podem reduzir o tamanho de seus estoques de insumos e produtos necessários à produção. Resumidamente, as novas tecnologias permitem que o modal opere em seu nível de excelência, descarbonizando o setor pela eficiência e ainda aumentando os lucros”, salienta Santiago.

Para Bruno Balbi, fundador da i4sea — empresa com expertise em sistemas de inteligência climática para as operações marítimas —, os efeitos das novas tecnologias para a indústria marítima giram em torno da análise massiva de dados, conectividade e, principalmente, proatividade ao invés de reatividade. “Um bom exemplo é o uso de sensores e modelos numéricos, que são capazes de prever as condições e os impactos do mar e do tempo nas operações portuárias. Tais ferramentas tanto apoiam a definição de limites operacionais e faixas de segurança com base na coleta e análise de dados, como tornam possível o acompanhamento dessas condições em tempo real, além da previsão acurada para que os planejadores e operadores portuários sejam capazes de ser proativos. Tudo isso potencializa a eficiência das operações, ao mesmo tempo em que reduz drasticamente o risco de acidentes”, comenta o executivo.

O fundador e diretor comercial da iPORT Solutions, Vander Serra de Abreu, acredita que o momento é bem animador: “O setor portuário, até pouco tempo atrás, pouco investia em inovação. Agora, ele vem discutindo novas tecnologias, por meio de hubs de inovação e da aplicabilidade de diversos conceitos da Indústria Porto 4.0. Esses hubs de inovação, atualmente, concentram mais de 400 startups do segmento e muitos deles têm despontado no mercado como bastante promissores”. A iPORT é uma empresa de SaaS (software como serviço, em português). Abreu ressalta que a própria iPORT Solutions, fundada em 2016, faz parte dessa revolução: “Nossas soluções vêm transformando os portos, em especial os terminais de granéis de importação e exportação, em inúmeros complexos portuários do país”.

Especialista de projetos do Porto Chibatão, localizado em Manaus (AM), Valcides de Souza Mendes da Silva Neto comenta que a revolução 4.0 para o complexo portuário é um conceito que representa tanto a automação como a integração de diferentes tecnologias como IA, IoT, robótica e computação em nuvem, com o objetivo de promover a digitalização de suas atividades portuárias, levando à otimização dos processos e ao aumento da produtividade.

“Diversos processos no Porto Chibatão, antes executados por meio da intervenção humana que, consequentemente, levava maior tempo de execução, hoje é feito por robôs, que trazem mais produtividade e possibilitam o aproveitamento da mão de obra no desenvolvimento de novas rotinas. A inteligência artificial também está presente em diversos processos, com tomadas de decisão automática, controle de acesso, inclusive, com a utilização de tecnologias como o sistema de OCR (leitura de imagem e conversão para texto), que facilita a identificação automatizada de caminhões e cargas, trazendo mais segurança ao recinto. Integrações diversas com clientes, órgãos fiscalizadores e públicos também têm proporcionado maior velocidade em nossa cadeia logística, de modo geral”, relata Silva Neto.

Head de inovação do Porto Sudeste, complexo portuário localizado em Itaguaí (RJ), Miguel Andrade diz que os pilares da revolução 4.0 vêm trazendo diversos benefícios para o segmento, uma vez que a transformação e a aceleração digital começam a se tornar essenciais para a competitividade no mercado atual. “Tecnologias como IoT, Big Data e machine learning estão revolucionando a forma de trabalho nos portos e terminais portuários, com o objetivo de desenvolver soluções para enfrentarmos os desafios atuais e futuros, com foco na confiabilidade, integridade, confidencialidade, disponibilidade operacional e também na saúde e segurança operacional e ocupacional, valores esses muito importantes para o Porto Sudeste”, salienta Andrade.

Bruno Balbi, da i4sea, descreve a existência de diversos exemplos de portos e terminais portuários altamente inovadores aqui e lá fora: “No Brasil, por exemplo, temos inovações da Wilson Sons Terminais, Porto do Açu, Vast Infra, GNA, Ferroport, Santos Brasil, Complexo Portuário e Industrial do Pecém, Enseada Indústria Naval, Vale, Santos Port Authority, Termag, T-Grão Cargo Terminal de Granéis e Intermarítima. Internacionalmente, temos exemplos vindos da Shell, Porto de Rotterdam e Vopak, que estão investindo fortemente em inovação, com destaque para a implementação do i4cast, nosso sistema de inteligência climática que tem a capacidade de prever e traduzir os impactos das condições do mar e do tempo, em insights acionáveis”.

Dessa forma, continua Balbi, essas empresas estão reduzindo o tempo de espera de navios e o tempo ocioso de seus ativos, aumentando significativamente a segurança das operações e das pessoas envolvidas nessa cadeia produtiva, tornando-se cada vez mais competitivas no setor marítimo, além de fortalecerem suas respectivas atividades sustentáveis dentro do escopo do ESG.

O gerente de Tecnologia para o Corredor Norte da Vale, Eugênio Lysei, avalia que cada complexo portuário, seja no Brasil ou no exterior, detém diferenciais tecnológicos conforme a natureza de suas operações e estratégias: “No Terminal Marítimo de Ponta da Madeira, em São Luís (MA), temos máquinas autônomas cujas atividades são programadas por algoritmos de inteligência artificial. No Terminal Ilha Guaíba, em Mangaratiba (RJ), contamos com o sistema QPS (Quality Predictive System), que nos auxilia com uma visão tridimensional dos diferentes produtos estocados nos pátios; monitora dinamicamente as cargas de diferentes produtos nos porões dos navios; implementa a rastreabilidade do minério para sabermos com exatidão onde cada lote recebido foi descarregado e em qual porão do navio foi carregado. Além disso, esse sistema permite simular o embarque, selecionando diferentes quantidades de diferentes pilhas para envio para cada porão, antecipando a qualidade de cada porão, antes do embarque acontecer de fato”.

Já na unidade portuária do Complexo de Tubarão, em Vitória (ES), Lysei destaca o uso da Internet das Coisas (IoT) para monitoramento de seus ativos: “Temos mais de 5 mil sensores monitorando a vibração e a temperatura dos viradores de vagões, transportadores e equipamentos de pátio, como empilhadeiras e recuperadoras. Além de aumentar a confiabilidade dos ativos, essa estratégia de manutenção digital reduziu, em mais de 3 mil horas por ano, a exposição a riscos pessoais associados às atividades de inspeção manual”.

Também nesse viés, o diretor comercial da iPORT Solutions pontua que os investimentos tecnológicos podem ser divididos em dois grupos: o primeiro, destinado aos terminais já consolidados no mercado, ou seja, que já existem há muitos anos e estão buscando, nas startups, a possibilidade de continuarem com seus sistemas e processos atuais, mas adicionando a inovação de alguma forma.

No segundo grupo, por sua vez, surgem os novos terminais que estão sendo licitados e construídos. “Esses novos complexos já surgem, desde o inicio, organizados tecnologicamente ao buscarem soluções em plataformas de serviços, que tenham uma única ferramenta para toda a automação e gestão necessária para seu negócio. Foi nesse nicho especifico que a iPORT Solutions focou suas soluções, integrando e gerenciando os terminais portuários de ponta a ponta, desde a previsibilidade da chegada da carga no terminal até sua efetiva chegada, operação, armazenagem e expedição dos mais diversos tipos de cargas, sejam elas conteinerizadas, soltas e em granel, de veículos e de celulose”, enumera Abreu.

O Grupo Chibatão também vem realizando investimentos em infraestrutura e serviços de tecnologia. “Investir nisso tem sido essencial para o bom andamento do nosso negócio e, principalmente, para o crescimento da empresa. Inteligência de dados, Big Data e mobilidade são serviços que se destacam no Porto Chibatão, que vêm otimizando nossos processos, reduzindo custos e agilizando nossas tarefas”, pontua Silva Neto, especialista de projetos da companhia.

Head de inovação do Porto Sudeste, Miguel Andrade cita alguns portos como “antenados” no que diz respeito a inovação, a exemplo do Porto de Rotterdam, na Holanda, que é uma referência para os complexos portuários que anseiam atingir outros patamares. “Não é possível afirmar que exista uma ou outra tecnologia ideal para cada tipo de porto, mas é possível mapear tendências inovadoras para o setor como um todo, de forma que possam eliminar os gargalos do processo e gerenciamento de rotinas e resultados. Daí a importância de fazer um planejamento estratégico, para vislumbrar a qual lugar queremos chegar com as tecnologias existentes, pesquisa e desenvolvimento de outras novas, e quanto de investimento será feito ao longo do tempo”, diz Andrade.

O CEO da NavalPort pondera ao ressaltar que o modal aquaviário, embora já tenha iniciado sua trajetória de transformação digital, ainda é bem tímido em torno dos investimentos tecnológicos, com exceção dos principais portos asiáticos que, inclusive, figuram entre os maiores e mais eficientes do mundo. “O mercado de inovação desse setor, do qual a NavalPort faz parte, acredita em uma grande aceleração dos investimentos para os próximos anos, pois existe um grande gap tecnológico de suas operações, que hoje possuem altos custos logísticos, fato esse que reduz a competitividade de toda a economia mundial, causando danos ao meio ambiente, entre outros prejuízos”, comenta Santiago.

Para propor uma ideia do atual cenário, o executivo cita o governo dos Estados Unidos, que aprovou U$ 684 milhões em investimentos subsidiados, para a modernização da sua rede portuária. “No Brasil, tradicionalmente, somos reativos ao que ocorre no mundo, no entanto, nossos terminais de contêineres são os que mais investem em inovação, gerando eficiência em suas operações. Como fruto dessa realidade, de maneira geral nós observamos menores tempos de estadias para os navios de contêineres em relação aos demais.”

Santiago vislumbra, como tendência para toda a comunidade portuária brasileira e mundial, em um curto-médio espaço de tempo, a ampliação do uso dessas tecnologias que priorizam a segurança e a eficiência das operações marítimas e portuárias. “Como exemplo, temos a Mineração Rio do Norte (MRN), maior exportadora de bauxita do Brasil, que implantou no ano passado, em seu terminal – o Porto Trombetas, no Pará –, uma plataforma de gestão e segurança de manobras”, destaca.

Segundo ele, a plataforma adotada pelo Porto Trombetas, localizado no município paraense de Oriximiná, é uma das mais aderentes ao conceito E-navegation do país: “Essa ferramenta digitalizou todo o processo aquaviário das operações, que começa em Fazendinha no Estado do Amapá, com a entrada da praticagem, percorrendo pelo Rio Amazonas até a cidade de Óbidos (PA). Depois, segue pelo Rio Trombetas, chegando à boia de espera, de onde prossegue com as manobras de atracação, operação, desatracação, entre outras. Tudo 100% automatizado, inclusive a ligação no cais, por meio de instrumentos (laseres) de apoio à atracação. Acreditamos que esse case da MRN seja o único — ou um dos únicos no mundo — com esse nível, em tempo real, de automatização e transparência da etapa aquaviária”.

Outro case bem atual, cita Santiago, é o programa de inovação da Santos Port Authority (SAP), que abriu suas portas para parcerias com startups e tem caminhado para que, em médio prazo, seja um dos primeiros Data-Driven portuário do mundo, pelo qual a gestão será pautada em informações oriundas das mais variadas tecnologias disponíveis, principalmente de IoT, IA e Big Data.

Dentre as tecnologias já implantadas, a Vale também inova ao criar o Programa de Transformação de Segurança, que traz muitas iniciativas de proteção das pessoas, removendo-as de situações de risco, especialmente por meio do uso de equipamentos operados remotamente, drones e robôs. O gerente de Tecnologia para o Corredor Norte da companhia também destaca o uso da inteligência artificial, em produtos que utilizam técnicas de machine learning, para predição de indicadores críticos para as operações portuárias, como as soluções para Predição dos Indicadores de Umidade e TML (Limite de Umidade Transportável nos navios, em português), voltadas para planos de embarque.

“Ainda temos soluções destinadas à análise avançada dos indicadores de performance nas fases de descargas e embarques, para avaliação do risco associado ao cumprimento do planejamento de produção dos portos. Por último, há outras soluções que envolvem a análise da saúde dos ativos críticos, com modelos para predição de falhas e detecção de anomalias em correias transportadoras, que são usadas para a movimentação do minério de ferro”, informa Eugênio Lysei.

Em relação a estudos e/ou projetos de negócios para o setor marítimo/portuário, o diretor executivo do Instituto de Capacitação Profissional, João Gilberto Campos, lembra que desde 1999 o Incatep está sempre conectado a resultados e inovações. “Fomos a primeira empresa a trazer simuladores de equipamentos portuários e também de processos. Em nossas capacitações profissionais, atualmente dispomos de um simulador de operação remota, com grande exigência de competências para terminais automatizados ou semiautomatizados”, conta.

Já a i4sea, que traz na bagagem a expertise em sistemas de inteligência climática, aplica diversas técnicas de inteligência artificial e machine learning (aprendizado de máquina, em português) como forma de contribuir com as previsões do mar e do tempo, dando suporte à tomada de decisão no setor.

Nesse cenário de estudos e projetos, a Vale tem aplicado soluções de IA e Advanced Analytics em seus processos de planejamento, operação e manutenção dos terminais portuários. “Nossas soluções estão organizadas em um portfólio, que busca a eficiência e a confiabilidade dos processos e ativos. Como exemplo, podemos citar a inspeção digital das correias transportadoras, que utiliza video analytics, reduzindo a presença de trabalhadores empregados na operação e aumentando a eficiência do processo”, conta Eugênio Lysei, gerente de Tecnologia para o Corredor Norte da companhia.

A iPORT Solutions também tem fornecido, aos seus clientes, sistemas de inteligência artificial e aprendizado de máquina. “Atualmente, aplicamos inovações em IA e machine learning em processos de gestão operacional, para controle e segurança de armazéns e sistemas analíticos de imagens, em diversos terminais espalhados pelo país. Essa inteligência traz ganhos significativos em todo o processo técnico, operacional e, principalmente, de segurança portuária e aduaneira, fornecendo apoio para que as empresas não tenham perdas significativas com roubos e perdas de cargas”, destaca Vander Serra de Abreu, fundador e diretor comercial da empresa.

Ao tratar das inovações tecnológicas, Marcos Santiago relembra que, há poucos meses, a NavalPort assinou uma parceria com a Santos Port Authority (SPA), dentro do programa de inovação do Porto de Santos (SP), para a implantação do Port Insight – Plataforma de Inteligência Situacional Aquaviária, que foi desenvolvida a partir do mais atual conceito da transformação digital portuária: o de “porto colaborativo”.

“O Port Insight atua como um hub de informações de todos os processos inerentes a uma operação portuária, do macro ao microprocesso conduzido pela SPA e outros atores da comunidade portuária de Santos, como armadores, operadores, terminais, agentes, serviços de apoio, entre outros”, cita o CEO da NavalPort.

De acordo com o executivo, até dezembro de 2022 a plataforma deve trazer “consciência situacional das operações”, oferecendo mais visibilidade para os detalhes do conjunto da navegação. São eles: identificação automática das etapas molhadas da viagem, notificações automáticas sobre processos e eventos, comunicação fluida via ferramenta Port Chat e monitoramento da produtividade das operações. “Após o período de implantação e à medida que os demais atores aderirem ao Port Insight, o volume de dados absorvidos subsidiará nossa inteligência artificial, para que apresente os cenários das filas, levando em consideração as regras de negócios. Como prioridades, tipos de cargas, condições climáticas previstas, acuidade informacional dos players, etc. Isso privilegiará a eficiência do complexo portuário, de forma a proporcionar ganhos em relação a tempos de estadias, especialmente aqueles relacionados aos ‘tempos mortos’”, explica Santiago.

O objetivo da plataforma é ampliar a rentabilidade de toda a comunidade portuária de Santos, promovendo a descarbonização da operação via eficiência de seus processos, uma etapa primordial e anterior à neutralização do carbono. “Já se encontra em fase final de desenvolvimento, pela NavalPort, um ‘Painel Situacional Ambiental’ que apresentará a pegada ambiental do porto em tempo real”, adianta o executivo.

Ainda sobre a implantação de novas plataformas tecnológicas, o Porto Sudeste também prepara um projeto de inovação: o Porto do Futuro. “Nessa etapa de planejamento, foram mapeadas as principais tendências de tecnologias relacionadas aos processos de inovação para portos e terminais portuários. Para concluir esse trabalho, é necessário realizar um raio-x do processo, antes mesmo do mapeamento e da criação de um ‘roadmap’. O que estamos fazendo, agora, é a parte de um projeto maior, que consiste no desenvolvimento do ‘Planejamento Estratégico de Inovação’ com visão até 2030”, conta Miguel Andrade, head de inovação do complexo de Itaguaí (RJ).

Ele ainda informa que, na área de inteligência artificial, já foi feito um trabalho de benchmarking para formatar o desenho de uma solução utilizando drones e câmeras fixas para a medição ativa de calado, durante o carregamento ou descarregamento de navios.

Já o Grupo Chibatão, em parceria com a empresa Modallport Sistemas, formou uma equipe de trabalho para explorar oportunidades e soluções de automação e integração de infraestruturas e sistemas que possam proporcionar caminhos mais rápidos para melhorar a produtividade, a segurança e a sustentabilidade. “São evidentes, por exemplo, as vantagens dos robôs que têm substituído humanos em tarefas perigosas. Eles não se importam em fazer um trabalho que seja maçante ou repetitivo, além de serem mais eficientes, precisos e fortes do que as pessoas. Hoje, mais da metade dos processos no Grupo Chibatão ainda é operada, principalmente, por pessoas. Mas nosso time de Tecnologia da Informação (TI) está na linha de frente para torná-los cada vez mais automatizados e inteligentes”, conta Silva Neto, especialista de projetos do complexo portuário de Manaus (AM).

Para os especialistas entrevistados pela Portos e Navios, ainda são muitos os desafios a serem enfrentados para a implantação de sistemas inteligentes em portos ou terminais portuários do Brasil. “Com a chegada da tecnologia 5G ao país, muitos impeditivos técnicos podem ser superados, bastando o movimento de cargas justificar os investimentos, que ainda são bem altos”, pondera João Gilberto Campos, diretor executivo do Incatep.

Na visão de negócios de Bruno Balbi, fundador da i4sea, assim como em todo mercado, a implementação de novas tecnologias na indústria aquaviária passa por um processo cuidadoso de experimentação e avaliação quanto à viabilidade de suas aplicações, no dia a dia das pessoas. “Os mercados portuário e marítimo lidam com ativos bastante valiosos e operações que precisam de muito conhecimento técnico e cautela para proteger as pessoas e o meio ambiente. Adicionalmente, esse setor envolve múltiplos stakeholders com diferentes desafios que possam interagir, de forma complexa, para que o resultado final seja entregue”, analisa o executivo. Nesse cenário, Balbi reforça que as novas tecnologias devem estar conectadas ao momento do mercado, para que tais soluções sejam adequadas e seguras a todos os envolvidos na cadeia marítima/portuária.

Na opinião de Eugênio Lysei, gerente de Tecnologia para o Corredor Norte da Vale, tanto no Brasil como no restante do mundo, os portos têm muitas interfaces e cenários que são alterados com grande volatilidade. “Por isso, estamos investindo para obtermos mais informações, corretas e em tempo real do chão de fábrica, com o objetivo de apoiar a tomada de decisão. A partir do advento da Indústria 4.0, nos últimos anos, nós temos avançado nesse campo, sendo a gestão dessas mudanças o maior desafio.”

Já o diretor comercial da iPORT Solutions tece críticas ao afirmar que poucas empresas nacionais de software estão preparadas para a implantação de sistemas inteligentes nos portos e terminais portuários, considerando que apenas duas ou três empresas têm essas tecnologias desenvolvidas, testadas e implantadas no setor.

Na visão do head de inovação do Porto Sudeste, o medo de que um dia a inteligência artificial supere as capacidades da inteligência humana ainda é algo que precisa ser trabalhado, quando se trata de projetos de robotização, otimização de processos, aprendizado de máquina e computação cognitiva. “Grandes mudanças e incertezas potencializam a necessidade de clareza, para que líderes e equipe atualizem o mindset de implementação de sistemas inteligentes nos portos e terminais portuários, tendo a ciência de que tais sistemas, aliados à governança, trarão benefícios ao longo do tempo”, afirma Andrade.

Para o CEO da NavalPort, além das questões de mindset, que não são exclusivas do Brasil, sem dúvida alguma um dos gargalos é a falta de políticas de Estado, que favoreçam o fomento de um ecossistema robusto de inovação nacional, levando em conta que as tecnologias precisam ser moldadas para atender às características do país.

“Economicamente falando, somos protagonistas em exportação de commodities, mas em todos esses anos, eu nunca ouvi falar de alguma linha de financiamento voltada para a inovação portuária, seja via Finep – Financiadora de Estudos e Projetos ou de outro agente. Também acredito que o Fundo da Marinha Mercante deveria ser um pouco mais direcionado à promoção dessa revolução do modal marítimo/portuário. Recursos existem, mas deveriam focar na inovação de todo esse processo”, sugere o CEO da NavalPort.

Santiago aponta, no entanto, que muitas dessas mudanças já estão em andamento: “Este ano, o Porto do Itaqui, em São Luís (MA), promoveu o primeiro ‘Inova Portos’ (no mês de abril) e Santos, o segundo (em agosto). Santos está solidificando seu programa de inovação, destacando seu poder de irradiação devido ao seu porte. Ainda tivemos o Cubo Itaú, maior hub de inovação da América Latina, que inaugurou sua vertical marítima com o apoio de grandes players nacionais, como Wilson Sons, Porto do Açu e Hidrovias do Brasil. Estamos no caminho, mas precisamos acelerar esse processo”.

Os especialistas entrevistados pela Portos e Navios alertam para os riscos de acidentes e de ciberataques relacionados às tecnologias virtuais. “Risco é a exposição ao perigo e, em qualquer atividade, sempre teremos. O principal objetivo de uma gestão de riscos é minimizar essa probabilidade, capacitando e treinando os trabalhadores portuários, mantendo-os atualizados sobre as novas tecnologias e, de preferencia, utilizando empresas nacionais que já tenham expertise nesse mercado destinado às operações marítimas/portuárias”, diz João Gilberto Campos, diretor executivo do Incatep. De acordo com Bruno Balbi, fundador da i4sea, à medida que as operações das empresas vão se tornando digitais, mais importantes devem ser os cuidados com a segurança de dados e de suas atividades operacionais, em um cenário global da digitalização.

Levando em conta a perspectiva da automação, o gerente de Tecnologia para o Corredor Norte da Vale destaca que os principais riscos operacionais são aqueles que implicam falhas de equipamentos comuns, dentro de uma operação portuária, desde os pátios (como as recuperadoras) até os navios (carregadores), além de todo o sistema de conexão entre eles (como as correias transportadoras). “Esses sistemas atuam em regime de intertravamento, por meio de computadores industriais, sensores e atuadores que, uma vez comprometidos, impactam na operação e em seus ciclos de manutenção. Quanto aos ataques cibernéticos é oportuno mencionar aqueles que são comuns a várias atividades baseadas em dados, como ransomware e malware”, cita Eugênio Lysei.

No entendimento do diretor comercial da iPORT Solutions, os riscos de ciberataques são uma realidade, considerando que a infraestrutura critica de certos sistemas, sejam eles portuários ou não, sofrem constantes tentativas de ataques de hackers. Ao avaliar os riscos de acidentes, o CEO da NavalPort afirma que o emprego massivo de tecnologias pode reduzi-los, significativamente, tanto aqueles que envolvem as embarcações, principalmente durante as manobras de atracações, como os acidentes ligados às questões climáticas, durante as operações de cais.

Conforme o especialista de projetos do Porto Chibatão, o gerenciamento de riscos tem sido uma importante estratégia para proteger o Grupo Chibatão e suas negociações, prevenindo e mitigando perdas. “Com os conflitos geopolíticos cada vez mais disputados no espaço cibernético, cresce essa preocupação diante um possível ataque potencial à nossa infraestrutura.”, enumera Silva Neto.

Para Bruno Balbi, fundador da i4sea, é importante que exista um mindset inovador, que busque identificar os problemas e a experimentação para alcançar as melhores soluções: “O Porto de Rotterdam – um cliente nosso, que é considerado o porto mais moderno do mundo, principalmente por sua cultura organizacional – vem incentivando continuamente tanto a inovação de suas atividades como a simplificação de procedimentos, de forma que permitam a contratação rápida de soluções igualmente inovadoras, para que sejam testadas na prática e, caso tragam resultados, sejam aplicadas de modo mais amplo em suas operações”.

Na opinião do diretor comercial da iPORT Solutions, os debates regulatórios — que estão sendo promovidos por diversos grupos, portos, associações e hubs de inovação — são fundamentais para que os complexos portuários do Brasil alcancem os portos internacionais. “Isso porque, infelizmente, mesmo com todos os avanços feitos nos últimos anos, com relação aos investimentos de infraestrutura em portos, ainda faltam processos que visem à desburocratização desses investimentos em nosso país. E isso pode ser feito trazendo as startups ou as empresas jovens para mais perto das grandes empresas”, sugere Abreu.

Para o CEO da NavalPort, o debate em torno das regulações tecnológicas — especialmente nos modelos e protocolos que possam favorecer o cooperativismo entre os diversos players, tanto em nível local como global — tem sido fundamental. “O E-navigation ainda é muito incipiente no mundo, mas traz à baila a urgência de algumas regulações. No Brasil, a Marinha tem feito sido um importante e ativo ator nessa temática, pois já promoveu eventos com esse foco, inclusive, trazendo as startups para seus processos”, conta Santiago.

Segundo o especialista de projetos do Porto Chibatão, o grupo vê como desafio a regulação jurídica, ao intentar “controlar o futuro”, fazendo do trabalho um produto da inteligência humana, garantindo a harmonização prática entre o desenvolvimento tecnológico e a coexistência social com justiça e dignidade. “Ideias como flexibilidade, flexissegurança, empregabilidade, trabalhabilidade e tantos outros conceitos têm sido manejados como respostas, para se adequarem ao mercado de trabalho, diante de novos contextos. Superadas essas ideias, a regulação deve se orientar para a garantia da qualidade do trabalho e da proteção da dignidade dos trabalhadores marítimos/portuários, com aproveitamento e desenvolvimento de mão de obra”, analisa.

Já o head de inovação do Porto Sudeste analisa a burocracia, nos portos e terminais portuários brasileiros, como um antigo entrave, principalmente para as exportações. “É de suma importância o alinhamento das informações e tecnologias entre os portos, a partir da implantação de um sistema de rastreamento de toda a cadeia logística, para que haja interação e disseminação da cultura e das tecnologias, melhorando o tempo e a acessibilidade à tecnologia, por diversos desses complexos portuários”, diz Andrade.

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