“Visando segurar o valor do frete marítimo, é provável que, em outubro, armadores adotem um blank sailing maior”, prevê conselheiro da Abidip.

ABIDIP ENTREVISTA:

Anderson Heiderscheidt, membro do Conselho Consultivo da Associação Brasileira dos Importadores e Distribuidores do Pneus (Abidip) e gerente executivo e comercial da GF Pneus, fala sobre a redução no preço do frete internacional, as perspectivas para os próximos meses e o impacto para o mercado de pneus.

 

Abidip – Os fretes realmente estão caindo nesta época de high season em que normalmente demanda e preço sobem?

Anderson Heiderscheidt – O frete real até 2019, início de 2020, estava num patamar de até US$ 2 mil (China-Brasil). Flutuava em torno disso, o que era aceitável. Na pandemia começou a ter uma expansão expressiva chegando no final do ano a US$ 12 mil. Isso desembarcando em Santa Catarina, para Manaus ou Nordeste estava ainda mais caro. Até 2021 existia uma demanda muito alta de importação, não só para o Brasil, como para todos os outros países. Estados Unidos estava com acúmulo de navios muito significativo no porto de Long Beach, o que refletia no custo do transporte mundial. Porém em 2022, devido a inflação e ao custo do capital mais caro no Brasil, com a taxa SELIC superando 13,75% ao ano, as importações para o Brasil começaram a ter uma redução significativa. Nesse primeiro semestre reduziu pelo menos 25%. Então o que reflete na redução no custo de frete atual não é nada relacionado a alguma tratativa específica do transportador marítimo. Está relacionado à redução no consumo, à redução de demanda. A high season inicia em julho e termina em setembro. Até o mês de julho nós tivemos embarques muito altos ainda na casa dos US$ 10,7 mil, o que somado ao câmbio que estava bastante desfavorecido para o Real frente ao Dólar, tornava os produtos importados muito caros. Agora em setembro começaram a ter algumas ofertas de frete no patamar de US$ 6,4 mil, mas isso ocorre unicamente devido à redução da demanda mundial.

Abidip – Com essa diminuição no preço do frete existe alguma preocupação dos importadores de que os armadores possam retirar navios de circulação para diminuir oferta de espaços em navios na tentativa de manter o frete elevado artificialmente?

Anderson Heiderscheidt – Sem dúvida ocorrerá, normalmente ocorrem blank sailings que são essas diminuições de rotas. Então eles tiram navio de rota para reduzir oferta, gerar demanda maior para menor quantidade de navios. Em outubro já tem algumas informações de agentes de cargas que os armadores vão optar por um blank sailing mais forte. Vão reduzir mais o nível de transporte disponível para tentar manter esse frete acima dos US$ 5 mil ou US$ 5,5 mil. Como em janeiro inicia-se o feriado chinês, a tendência é que, em novembro, volte a ter alguns embarques maiores para receber essa mercadoria entre janeiro e fevereiro. Então em outubro é possível que haja essa retirada de navios para estaleiros e que o frete se mantenha no patamar atual justamente para eles não terem que baixar essas condições.

Abidip – Para o importador de pneus qual é avaliação sobre o patamar atual do preço do frete?

Anderson Heiderscheidt – O impacto é direto. Um contêiner de pneu de passeio custa cerca de US$ 28 mil, quando você tem um frete de US$ 12 mil é quase 50% do valor total do produto. O importador vai nacionalizar, pagar os impostos e colocar no mercado. Então quem paga essa conta no final de tudo é o consumidor. Não é o importador, nem o exportador, muito menos o distribuidor, unicamente quem paga esse custo é o consumidor. A Abidip tomou algumas ações nos últimos anos. Até o próprio Ministério da Economia esteve muito presente nestas decisões que foram muito importantes e muito assertivas. A redução do imposto de importação a zero para algumas medidas de pneus de carga com reflexo direto no custo da cesta básica. Quando você tira o imposto de importação de um pneu 295 utilizado nas carretas, que é o transporte majoritário, uma vez que o país não tem linhas ferroviárias expressivas, então o custo vai direto para o alimento na prateleira do mercado. A redução do imposto de importação foi repassada por todos os importadores. Ninguém absorveu isso como lucro, pelo contrário, todos repassaram ao mercado justamente para tentar reduzir o custo no final da cadeia.

Então foi uma decisão extremamente acerta, a redução do IPI também foi acertada. Nos permitiu estar um pouco mais competitivos no mercado reduzindo o custo do nosso produto na ponta. O esforço da Abidip contra a AFRMM (Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante) contribuiu para reduzir de 25 para 8% a alíquota, o que foi extremamente significativo. Esse tributo foi criado há mais de 30 anos para fortalecer a indústria mercante brasileira, que não existe. Hoje temos estaleiros privados que recebem esses recursos, são cerca de 20 estaleiros sem devolutiva nenhuma para a nação. O ideal é que este tributo fosse excluído, mas a redução já foi muito impactante e significa na composição do preço do produto lá na ponta. O consumidor consegue perceber uma inflação um pouco mais sutil do que seria caso nós estivéssemos ainda pagando esses impostos.

Sem dúvida a ação da Abidip associada ao Ministério da Economia mais ativo e buscando uma liberdade maior do país nos quesitos econômicos e tributários, nós conseguimos alcançar resultados satisfatórios. Não são os melhores, com certeza, o ideal seria retomarmos os patamares de custos anteriores à pandemia. Mas de certa forma já conseguimos aliviar um pouco a cadeia de fornecimento de pneu para o consumidor final.

Abidip – O preço do pneu no Brasil ainda é mais elevado do que em outros países?

Anderson Heiderscheidt – Muito mais elevado. Eu estive em Portugal há uma semana, e em conversa com importadores locais, me foi apresentado o formato tributário português, através do IVA (imposto sobre valor agregado), com alíquota de 23%. Como funciona a cadeia portuguesa? Você importador recebe uma mercadoria, quando vende ao distribuidor, se adiciona 23% de IVA ao valor de venda, quando esse distribuidor revender a mercadoria, será novamente adicionado 23%, porém, haverá um encontro de contas, débito e crédito, onde será deduzido do distribuidor o que já foi pago na cadeia anterior.

Aqui no Brasil nós pagamos uma cascata de impostos. Um pneu que hipoteticamente custa US$ 20 no exterior, para o importador aqui no Brasil custa US$ 40. Na venda haverá uma nova adição de tributos federais, estaduais e municipais, e o mais complexo está em tributar corretamente as vendas interestaduais, pois cada estado possui uma regra própria e uma margem de valor agregado para tributação distinta. Então se o importador vender para São Paulo é uma tributação, se vender para o Paraná é outra, se vender para o Mato Grosso outra tributação. A avaliação é que o Brasil ainda está com uma carga tributária bastante alta em relação a outros países. Não só alta, mas uma carga tributária muito complexa, o que dificulta a contabilização e a forma correta da comercialização encarece absurdamente o produto.

Abidip – Ainda comparando com Portugal, o pneu que se pagaria lá 23%, quanto pagaria aqui?

Anderson Heiderscheidt – No custo de entrada ele vai refletir em mais de 40% de impostos. O importador terá que recolher 16% de imposto de importação, 9,75% de IPI, 2,68% de PIS, 12,35% de COFINS e ICMS de entrada. Parte desses tributos, o importador se credita na entrada, porém na saída irá recolher novamente o IPI, o ICMS, a PIS, a COFINS  e, na venda interestadual, terá que recolher a Substituição Tributária, que na maioria dos estados ela representa mais de 23% do custo do produto.

Abidip – Mas mesmo com toda essa carga tributária o pneu importado ainda exerce papel importante na contenção de preços?

Anderson Heiderscheidt – O pneu importado é um balizador para o mercado nacional, para o consumidor. O que aconteceu em 2021? A indústria nacional (Pirelli, Goodyer, Continental…) focou muito na exportação. Isso são números possíveis de serem enxergados dentro da Comex ST que é o site oficial do governo onde mostra a balança comercial. Então ali é possível enxergar que o foco na exportação foi muito expressivo nos anos de 2020 e 2021 para a indústria nacional que acabou desabastecendo o mercado local brasileiro. Neste cenário o pneu importado teve um papel fundamental, tanto pelo equilíbrio de preços, quanto pela disponibilidade de produto, não permitindo que o mercado brasileiro parasse. As indústrias de implemento rodoviário e as indústrias de implementos agrícolas só puderam ter sequência no trabalho delas graças ao importado e ao movimento dos importadores (reivindicação para aliviar a carga tributária na importação). Então sem dúvida o pneu importado é de extrema importância no mercado brasileiro. Ajuda a regular o preço para baixo, permite que o consumidor tenha um custo menor de mercadoria e também impede que o mercado fique desabastecido nos momentos de crise.

Abidip – Importadores de pneus são muito cobrados pelas autoridades sobre a questão ambiental. Como o senhor avalia o trabalho de destinação final de pneus no Brasil?

Anderson Heiderscheidt – Seguimos fazendo um trabalho através da Abidip muito expressivo em logística reversa. Em parceria com a Abrerpi (Associação Brasileira de Empresas de Reciclagem de Pneus Inservíveis), a Abidip faz um trabalho diferenciado. Exemplo de Manaus onde havia um despejo de pneus inservíveis absurdo. Então nós tomamos a frente junto com a Abrerpi e fizemos a destinação desses pneus. Cada importador está assumindo parte deste ônus, mesmo já tendo realizado a destinação obrigatória por lei. A maioria desses pneus são nacionais, como é possível enxergar nas filmagens e relatos feitos pela Abrerpi no mês de julho deste ano. Ainda assim, nós importadores buscamos cumprir nosso papel e ampliar a retirada desses pneus do ecossistema brasileiro. Estamos, cada vez mais, fortalecendo a Associação para nos tornarmos autossustentáveis na operação. A Abidip vem fazendo um trabalho muito importante juntamente com a Abrerpi e os importadores demonstrando o real interesse na preservação do meio ambiente no Brasil. A conscientização está em saber que o papel do importador não é apenas importar e vender, é também fazer a logística reversa, pauta que está cada vez mais em prioridade máxima na Associação.

Abidip – A partir da sanção da Lei 14.301/2022 que instituiu a BR do Mar com estímulos ao transporte de cabotagem, houve alguma melhoria para os importadores de pneus?

Anderson Heiderscheidt – A BR do Mar ainda está engatinhando. É um processo que é um pouco mais moroso para acontecer efetivamente, mas sem dúvida irá trazer resultados no médio e longo prazo, ampliação de operadores e redução de custos. A prática da cabotagem, do escoamento marítimo com certeza nos ajuda muito, porque a operação terrestre é altamente custosa. Cada vez mais, a cabotagem se tornará uma solução no médio e longo prazo para o importador, distribuidores e o mercado de forma geral poder se conectar de uma forma mais ágil. Hoje são necessários 22 dias num transporte de Santa Catarina ao Nordeste, via cabotagem seriam 10 dias. Então nós temos um ganho de tempo bastante significativo e de custo também, que é aproximadamente 50% do frete terrestre. Redução que nos ajudaria muito, não apenas como importadores, mas como consumidores de forma geral. Haveria uma redução significativa no custo do produto na ponta para o consumidor final.

Abidip – Mas especificamente porque a BR do Mar ainda engatinha para os importadores de pneus?

Anderson Heiderscheidt – Devido a complexidade tributária brasileira, os importadores tiveram que ao longo dos anos encontrar caminhos para fazer a importação da forma mais salutar possível. Buscaram portos onde a operação logística e tributária favorecesse a redução de custos e entregasse maior agilidade no atendimento das demandas regionais. Santa Catarina é um desses lugares, Suape em Pernambuco e Espírito Santo, também são. Normalmente os importadores optam por montar bases em portos estratégicos, regionalizando a distribuição.

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