Montadoras tradicionais estão em desvantagem na corrida pelos softwares automotivos
Fabricantes como Toyota e Volkswagen têm lutado para acompanhar o ritmo enquanto foco se desloca do motor para o o computador
Fabricantes globais de automóveis têm ficado para trás no desenvolvimento de softwares fundamentais para automóveis. Isso ameaça a capacidade das empresas de lucrar na era dos veículos elétricos.
A consultoria Gartner mostra que apenas três montadoras tradicionais —Ford, GM e BMW— estão entre as dez primeiras nessa área. O segmento é dominado pelas chinesas Nio, Xpeng e BYD e por americanas como Tesla, Rivian e Lucid.
“É uma transição difícil, que exige tanto uma mudança de mentalidade quanto de tecnologia”, disse Anders Bells, diretor de engenharia e tecnologia da Volvo. A empresa sueca, que hoje pertence à chinesa Geely, acaba de lançar o SUV elétrico EX90, que está equipado com software e chips Nvidia.
No entanto, atrasos e falhas enfrentadas pela Volvo no desenvolvimento de um sistema de computação resultaram na ausência de recursos disponíveis em muitos carros elétricos, como o sistema Apple CarPlay e o carregamento inteligente das baterias. Esses itens devem ser adicionados em futuras atualizações remotas.
Antes, os fabricantes de automóveis dependiam de de seus próprios engenheiros para desenvolver softwares. No entanto, agora estão procurando talentos em startups e grandes grupos de tecnologia, como Apple e Google, o que causa choques culturais e tensões internas.
Em junho, a Volkswagen recorreu a uma parceria de US$ 5 bilhões (R$ 27,6 bi) com a Rivian após problemas na Cariad, unidade de softwares da montadora alemã. A Toyota também tem lutado com sua própria empresa, a Woven, onde as perdas líquidas totalizaram US$ 888 milhões (R$ 4,9 bi) nos últimos dois anos, segundo pessoas próximas à empresa.
A subsidiária da montadora japonesa quer tornar os veículos da marca mais inteligentes, mas uma grande reestruturação de gestão ocorreu no ano passado. O ex-executivo do Google James Kuffner renunciou ao cargo de CEO da Woven para se tornar o conselheiro sênior do grupo.
A Toyota disse que está no caminho certo para lançar seu novo software, chamado Arene, no próximo ano, e atribuiu algumas das perdas a fatores pontuais.
Pedro Pacheco, analista da Gartner, disse que grandes fabricantes de automóveis falharam em usar recursos de forma eficiente para fazer a transição. “Eles precisam revisar a abordagem ao software, porque se você não pensar e agir com foco nisso, será tremendamente difícil alcançar os rivais que lideram o setor.”
Além de melhorar as funções básicas do veículo, os fabricantes de automóveis foram atraídos pelo potencial da computação para gerar mais receitas por meio da coleta de dados do usuário e ofertas de serviços de assinatura —que vêm com uma taxa mensal para seguro, manutenção e reparos.
Os serviços digitais geram cerca de US$ 300 milhões (R$ 1,6 bi), ou 3%, das receitas globais das montadoras, de acordo com a Accenture. No entanto, a consultoria projeta que isso pode se expandir para US$ 3,5 trilhões (R$ 19,3 tri) até 2040, representando quase 40% das receitas geradas pela indústria automotiva.
A Stellantis, que reúne marcas como Jeep, Peugeot e Fiat, espera gerar US$ 22,4 bilhões (R$ 124 bi) em receita anual de softwares e serviços de assinatura.
Já a Ford tem recrutado executivos da Apple e da Tesla nos últimos anos, incluindo Doug Field, que anteriormente liderou o projeto de carro do fabricante do iPhone.
Contudo, o declínio contínuo dos fabricantes tradicionais no índice da Gartner é uma evidência de que eles podem não ter capacidade de capitalizar sobre o crescimento projetado.
Kota Yuzawa, analista da Goldman Sachs , estimou que o custo de desenvolver um sistema operacional para veículos é de pelo menos US$ 11 bilhões (R$ 60 bi) para qualquer fabricante.
“A monetização é muito difícil. Há conversas sobre como fazer modelos de assinatura mensal, mas a realidade é que, enquanto usamos smartphones todos os dias, a utilização de veículos de propriedade privada é de apenas 5%”, avalia.
Os softwares para veículos são caros de desenvolver e requerem novas habilidades e talentos para os fabricantes. Por outro lado, têm o potencial de reduzir o custo de reparos, já que os consertos podem ser feitos digitalmente, além de aumentar a lealdade do cliente.
Bell, da Volvo, está convencido de que os custos iniciais e as dificuldades de desenvolvimento valerão a pena, pois a segurança e o desempenho de seus veículos podem ser continuamente melhorados mesmo após serem vendidos aos consumidores.
Os custos de desenvolvimento para futuros modelos também diminuirão uma vez que uma arquitetura de computação comum seja estabelecida. “Temos que realmente aprender a abraçar o software. Se você não conseguir acompanhar a velocidade geral da tecnologia na sociedade, ficará para trás”, disse Bell.
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