Maersk pede que discussão sobre megaterminal de Santos seja técnica e não descarta tentar parar leilão

Alex Sabino São Paulo

Leonardo Levy, 41, afirma que a Maersk não está sozinha na briga pelo direito de participar da concorrência no Tecon 10, o megaterminal do porto de Santos.

Mas é a multinacional dinamarquesa quem mais tem argumentado em público contra restrições que impediriam quatro armadores já atuantes no porto de participar, na prática, da maior concessão portuária do país. O ativo deverá ser leiloado até o final deste ano.

A disputa está no TCU (Tribunal de Contas da União), que vai recomendar o modelo de leilão à Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários) e ao Ministério de Portos e Aeroportos. Os dois órgãos recomendaram à corte um certame em duas fases. Na primeira, armadores que já possuem terminais em Santos estariam proibidos de participar. É o caso de Maersk, MSC, CMA CGM e DP World.

Como a Maersk tem reagido aos argumentos sobre a restrição, que a impediria de, na prática, participar do leilão do Tecon 10?

A nota técnica da Antaq disse que o cenário que prevê o desinvestimento [venda de ativos] dos incumbentes é equivalente ao cenário com a entrada de um novo player. Nós estamos ok com a questão do desinvestimento [a Maersk é sócia da MSC no terminal BTP, em Santos]. Se esses cenários são equivalentes, qual é o problema? O Cade [Conselho Administrativo de Defesa Econômica], por meio da presidência, disse existirem medidas menos gravosas do que a exclusão de players integrados. A concentração [de mercado] é hipotética, os riscos derivados são hipotéticos.

Saiu na Folha que a auditoria do TCU também tem o mesmo entendimento. Há várias evidências de que não há necessidade [de restrição]. A gente fica surpreso com esse tipo de discussão. Deveríamos gastar mais tempo discutindo a fundo questões técnicas desse projeto. O assunto em foco foi se pode ou não participar. Em outros mercados, a gente não vê isso acontecendo. É uma discussão pragmática, técnica. O projeto é interessante? Sim ou não? O que precisa ser feito para melhorar? É esse o debate que deveríamos ter.

Mas existe uma questão de política pública também. Isso foi abordado pelo Ministério de Portos e Aeroportos, que disse não ser o valor de outorga o item mais importante.
São argumentos trazidos agora para tentar justificar as restrições por conta de política pública, tensões geopolíticas. Tudo bem, mas qual é essa política pública? Onde está isso? Quando foi debatido? Está evidenciado com base em quais argumentos? Quais são as razões para se adotar essa política pública e não outra? Acho que a ordem está um pouco invertida.

Cada vez que a gente sai da discussão técnica e tem de debater outros temas, perde o Brasil. Porque o projeto está cada vez mais atrasado. São dinheiro e tempo que a gente poderia investir em novo terminal que é tão importante. Isso, não estamos fazendo.

A gente precisa avaliar como é que vai sair no projeto. O que o TCU vai recomendar? Se ao final a gente avaliar que aquilo não está na nossa visão, não há embasamento técnico para as restrições, a gente não descarta, eventualmente, tomar as medidas que acharmos necessárias.

O senhor acha ser uma tática diversionista falar sobre outros temas relacionados ao leilão que não sejam os técnicos?
É natural, em um país como o nosso, existirem iniciativas que tentam tirar o foco. Mas acho que o nosso trabalho como empresa que está operando há mais de cem anos aqui no Brasil é botar bola no chão e falar do que é necessário fazer para o país melhorar sua competitividade.

É natural que existam interesses tentando trazer a discussão para algo que não gera valor ao país. A gente deveria estar aqui falando de Santos, de mais capacidade dos outros portos, de como é que a gente faz para resolver os gargalos de acesso, quais portos deveriam ser dragados… É nisso que a gente acredita, é isso que a gente traz quando é forçado a colocar uma série de pareceres e trabalhos acadêmicos para ter um debate técnico sobre o assunto e sair da discussão que tenta levar para o lado político.

Em sua nota técnica, o TCU argumenta que deveriam acontecer novas audiências públicas. A Maersk concorda com isso?
Quando o projeto foi originalmente proposto, não existia restrição. Caso a restrição exista agora, a gente vê necessidade de um novo debate. [O leilão] sem restrição foi debatido lá atrás e teve audiência pública. A restrição não foi debatida. Então, se ela permanecer, acho que sim, faz muito sentido que isso seja de fato debatido. Isso inclusive é o pleito que a gente colocou na nossa ação e no mandado de segurança.

O senhor disse que a Maersk está ok com a questão do desinvestimento…
Esse desinvestimento precisa acontecer de uma forma que permita dentro da complexidade de uma transação desse tipo. Então não adianta dar lá 180 dias [para vender a participação em outro ativo]. É impraticável que se faça uma transação complexa dessa em 180 dias. Esses processos de desinvestimento são comuns no Cade.

E quanto tempo seria necessário? Defensores das restrições dizem temer a possibilidade posterior de uma judicialização que faria qualquer empresa envolvida manter os dois ativos.
O desinvestimento vai acontecer como aprovação condicionada. Nesse caso, o contrato de concessão estaria condicionado ao desinvestimento. Nos projetos que a gente tem aqui no Brasil, nunca houve problema para cumprir as obrigações contratuais. É uma loucura [achar que pretende ficar com os dois ativos]. Da mesma forma que existem vários players interessados em participar do leilão do Tecon 10, existiriam vários players também interessados em eventualmente comprar nossa participação no terminal [BTP].

A possível restrição atingiria também a MSC, CMA CGM e DP World. Só a Maersk está brigando?
Acho que temos muita segurança nos argumentos que temos trazido para esse debate. São argumentos técnicos. E como eles são argumentos técnicos, a gente não tem nenhuma nenhum pudor em trazê-los para o debate. Acho que existem manifestações dos executivos dessas outras empresas nos autos dos processos. Outras empresas também têm argumentado. Nós não somos uma voz única.

Qual o plano de investimento da Maersk caso seja vencedora do leilão? Há algumas questões a serem esclarecidas?
A gente tem uma boa ideia do que gostaria de fazer com esse ativo. Muito provavelmente teria um entendimento de faseamento [de implantação] distinto daquele que está sendo proposto. Poderia ser acelerado. A gente acredita que precisa de mais capacidade, mas quando esse terminal tiver em operação, o mercado já vai ser outro. A gente já vai ter crescido 3% ou 4% ou 5% ao ano. Tem muita possibilidade de criar capacidade.

A expectativa é de que esse terminal só deve entrar em operação de fato em 2030. A entrada de capacidade efetiva vai ocorrer lá para 2032, por conta da demora no processo de licenciamento ambiental. A previsão no modelo do edital é de 12 meses para obtenção das licenças. A gente acredita que esse prazo muito curto. Isso deveria demorar talvez dois, quem sabe três anos. Ali existe uma área de mangue que é sensível ambientalmente Então a gente precisa tratar isso com cuidado, é, e eventualmente o início dessa construção pode demorar mais do que está previsto. Mas uma vez que a gente começar a construir, vai fazer tudo de uma vez só.

Então existem questões a serem esclarecidas.
É um ativo muito importante e há preocupações em relação ao projeto. Existe uma questão também relacionada à isonomia, por conta da necessidade de você ter de operar um estacionamento de caminhões que estaria só aplicada para esse terminal. Por que os outros terminais não estarão sujeitos a essa mesma exigência? Parece pouco razoável isso. Há também alguns desafios em relação a essa questão de iniciar a operação 12 meses após assinar contrato. Talvez alguns players vão avaliar essas questões como proibitivas. Isso vai depender do perfil de risco de cada um.


Leonardo Levy, 41, é diretor de Investimentos para Américas na APM Terminals e membro do Conselho do Porto Itapoá, em Santa Catarina. Tem quase 20 anos de experiência no setor portuário. É formado em Engenharia de Produção pela UFSCar, tem MBA pela Universidade da Califórnia, em Berkeley, nos Estados Unidos, e cursos em ESADE Business School, na Espanha, e em Harvard, nos EUA.