Incerteza eleva em até R$ 58 bilhões esforço fiscal necessário para estabilizar dívida pública
Governo precisa arrecadar mais do que gastar para frear endividamento, mas tarefa fica cada vez mais custosa
As incertezas em torno da trajetória das contas públicas elevaram em até R$ 58 bilhões o esforço fiscal que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) precisa fazer para estabilizar a dívida pública até o fim do atual mandato.
O cálculo foi feito pelo economista Jeferson Bittencourt, chefe de macroeconomia do ASA e ex-secretário do Tesouro Nacional, e ilustra o quanto o aumento de gastos e a alta da taxa de juros dificultam a tarefa do governo de frear o crescimento do endividamento do país.
Para alcançar esse objetivo, a equipe econômica precisa melhorar os resultados fiscais e garantir que o país consiga arrecadar mais do que gastar —ou seja, ter superávits. O que a conta mostra é que a incerteza é contraproducente, pois aumenta a poupança necessária para atingir o mesmo propósito.
Em janeiro de 2023, Lula recebeu o país com uma dívida bruta do governo equivalente a 71,7% do PIB (Produto Interno Bruto). Se o endividamento tivesse ficado congelado nesse patamar, o superávit para mantê-la estável seria de 2,8% do PIB, considerando condições atuais de crescimento econômico na casa de 3% e um custo da dívida em torno de 11% ao ano.
A dívida hoje, porém, já está no patamar de 78% do PIB, o que eleva a 3,1% do PIB o esforço necessário para estabilizá-la. A diferença de 0,3 ponto percentual equivale a R$ 35 bilhões, nos cálculos de Bittencourt.
No entanto, isso demonstra apenas parte do caminho já percorrido. Como o país ainda convive com déficits em suas contas, gastando mais do que arrecada, a dívida continuará aumentando nos próximos anos, chegando a 84,4% do PIB no fim de 2026, segundo estimativas do mercado.
“Se a gente pensa na dívida do fim do mandato, o governo vai precisar de um superávit de 3,3% do PIB nas condições de hoje, ou 0,5 ponto percentual a mais. Em valores de hoje, são R$ 58 bilhões a mais só pela trajetória de dívida contratada”, afirma Bittencourt.
O economista ressalta, porém, que, se essa trajetória de fato se materializar, é provável que as condições de crescimento e taxa de juros fiquem piores do que as atuais, pois o mercado pode cobrar mais caro para aceitar financiar o governo. Em outras palavras, o cálculo pode estar subestimado.
Ao longo de 2024, o governo Lula já experimentou um pouco dessa lógica. À medida que cresciam as incertezas sobre a trajetória fiscal do país —potencializadas por um cenário externo menos favorável—, a taxa cobrada nos leilões da dívida pública bateu recordes históricos.
Ainda em julho, a desconfiança dos investidores levou o Tesouro Nacional a pagar juros próximos ao observado em 2022, quando o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) conseguiu aprovar a PEC Kamikaze para turbinar gastos em ano eleitoral.
Os cálculos são ilustrativos do custo das incertezas, já que nem governo nem o mercado preveem que o ajuste necessário para estabilizar a dívida será alcançado tão cedo. Nas projeções oficiais, esse objetivo seria atingido em 2027 e já foi adiado para 2028. Na visão do mercado, a demora será ainda maior.
O anúncio do pacote de contenção de gastos, em elaboração pela equipe do ministro Fernando Haddad (Fazenda), é considerado um passo essencial para reduzir os ruídos e a percepção de risco.
As medidas não terão impacto direto na trajetória da dívida, pois focam em melhorar a composição do gasto (com despesas obrigatórias sob controle e mais espaço para discricionárias, como custeio e investimentos), sem reduzir o tamanho total da despesa. Mesmo assim, a percepção de sustentabilidade do arcabouço fiscal tende a transmitir maior confiança de que os limites não serão ultrapassados.
Segundo Bittencourt, há a necessidade de reduzir as incertezas para evitar um círculo vicioso: o governo precisando fazer um ajuste ainda mais drástico para controlar uma dívida cada vez maior.
“A experiência recente de 2015-2016 mostrou o quanto uma crise fiscal pode ser danosa para o país. Nesse período houve também instabilidade política, mas a gente teve uma das maiores recessões da história por conta do reconhecimento de um desequilíbrio fiscal, e isso teve um custo social muito grande”, diz Bittencourt.
Segundo ele, embora naquele período as incertezas fossem ainda maiores, o Brasil tem hoje uma posição fiscal mais frágil para enfrentar eventuais choques.
O economista Ítalo Franca, do Santander, diz que garantir o cumprimento do arcabouço ajudará a reduzir os chamados prêmios de risco, o quanto os investidores cobram a mais do que seria o preço justo para aceitar financiar o governo ou investir no país.
Esses prêmios estão espalhados na curva de juros e também no câmbio —no qual Franca estima um custo adicional de R$ 0,40 na cotação do dólar só pelo fator risco.
Segundo o economista do Santander, as incertezas fiscais e o cenário externo mais turbulento contribuíram para deslocar o nível esperado da dívida pública em 2 a 3 pontos percentuais para cima no horizonte de longo prazo, até 2040. Por isso, o anúncio de um pacote de medidas robusto pode contribuir para frear essa deterioração.
Franca calcula que um superávit de 1,5% a 1,6% do PIB no médio prazo (entre 2031 e 2032) seria capaz de estabilizar a dívida. Caso o governo consiga reduzir as incertezas, esse custo pode ficar menor. “Quanto mais a gente tiver clareza do cenário e menos erros nas estimativas, melhor”, diz.
Nas projeções oficiais, o governo já admite uma dívida bruta acima de 81% do PIB (Produto Interno Bruto) a partir de 2026, colocando o Brasil acima de um patamar de endividamento que a própria equipe econômica dizia estar afastado.
A previsão da equipe econômica, porém, supõe um esforço fiscal bem menor para conseguir estabilizar a dívida pública, em torno de 1% do PIB, a ser atingido em 2028.
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