Dólar volta a subir e bate R$ 5,43 com deterioração do cenário fiscal no Brasil

Apesar de otimismo no exterior, riscos internos seguem pesando contra ativos locais

Marcelo Azevedo –  SÃO PAULO

Apesar de ter registrado queda momentânea, o dólar voltou a engatar alta nesta quarta-feira (12), enquanto a Bolsa brasileira recuava. Mesmo com o clima de otimismo no exterior, ruídos sobre o cenário fiscal brasileiro seguem pesando contra os ativos locais. Na máxima do dia, a moeda americana bateu os R$ 5,430.

Incertezas sobre a condução da política econômica vêm assustando investidores e descolando os índices locais dos mercados globais. O enfraquecimento político do ministro Fernando Haddad (Fazenda), que sofreu uma série de derrotas nas últimas semanas, tem sido mencionado por agentes do mercado.

“O mau humor continua ligado ao desgaste do governo com o mercado, particularmente pela condução da política fiscal. Há um temor crescente de que a visão mais ponderada de Haddad está perdendo força dentro do governo”, diz Danilo Igliori, economista-chefe da Nomad.

No revés mais recente, o Congresso Nacional recusou na terça-feira (11) a medida criada pelo governo para restringir o uso de créditos tributários por parte de empresas.

A MP (medida provisória) —que entra em vigor imediatamente, mas precisa ser aprovada posteriormente pelo Congresso— havia sido enviada pelo governo aos parlamentares apenas uma semana antes, alterando regras do PIS/Cofins.

“Se, por um lado, o fracasso da MP dá algum conforto para setores produtivos que seriam mais impactados com a limitação dos tributos federais, por outro segue o enorme desafio de equilibrar as contas públicas em 2024 e nos próximos anos”, diz a equipe da Levante Investimentos.

Além disso, declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em evento no Rio de Janeiro também pesaram contra os negócios.

O chefe do Executivo afirmou que o governo está “arrumando a casa e colocando as contas públicas em ordem para assegurar o equilíbrio fiscal”, mas sugeriu que o ajuste deve ocorrer com um aumento ainda maior na arrecadação, sem mencionar corte de gastos.

“O aumento da arrecadação e a queda da taxa de juros permitirão a redução do déficit sem comprometer a capacidade de investimento público”, disse o presidente.

Com isso, às 12h30, o Ibovespa caía 1,16%, aos 120.221 pontos, enquanto o dólar subia 0,83%, cotado a R$ 5,405.

Os indicadores iam na contramão do exterior. Nos EUA, o S&P 500 e o Nasdaq subiam mais de 1%, e o índice DXY, que mede o desempenho do dólar ante outras moedas fortes, caía cerca de 0,80%.

No pregão desta quarta, as atenções também estarão voltadas para a decisão de política monetária do Fed, o banco central americano, que será divulgada durante a tarde.

A expectativa é que a autoridade monetária mantenha as taxas dos Estados Unidos inalteradas na faixa entre 5,25% e 5,50%, mas há dúvidas sobre as sinalizações do Fed sobre seus próximos passos. O mercado estará atento, principalmente, a possíveis indicações de quando o banco pretende começar seu ciclo de redução de juros.

A decisão do Fed ocorrerá num cenário nebuloso sobre a economia americana, em especial após um relatório que mostrou força do mercado de trabalho nos Estados Unidos e causou preocupação entre operadores.

Mais cedo, no entanto, o Departamento de Trabalho dos EUA divulgou que o índice de inflação CPI (Índice de Preços ao Consumidor, na sigla em inglês) caiu para 3,3% em maio, levemente abaixo das previsões do mercado, de 3,4%.

“Vínhamos observando sinais de desaquecimento no mercado de trabalho, imóveis e serviços, mas o dado que realmente importa é o CPI. E hoje ele mostrou que a história de desaceleração é a mais provável”, diz Beto Saadia, diretor de investimentos da Nomos.

O número teve impacto imediato nos indicadores globais, e o Brasil conseguiu surfar brevemente na onda de otimismo. O dólar, que havia começado o dia em leve alta, engatou queda momentânea após a divulgação do CPI de maio, por volta das 9h30, e os rendimentos dos títulos do Tesouro americano, os chamados “treasuries”, também caíram. As Bolsas americanas abriram em níveis recordes.

As projeções sobre corte de juros nos EUA também melhoraram. Agora, negociadores passaram a atribuir 84% de chance de uma redução nas taxas americanas em setembro, aumento considerável em relação aos 60% registrados anteriormente. Eles preveem, ainda, que o Fed deve realizar dois cortes de juros neste ano.

“Os dados do CPI, apesar de registrarem reduções marginais, renovam as esperanças para a retomada do processo de desinflação. Depois de uma semana bastante agitada por conta dos dados fortes de contratações, números abaixo da expectativa reanimam as apostas de que os cortes na taxa de juros podem iniciar em setembro”, afirma Igliori, da Nomad.

No Brasil, no entanto, o otimismo durou pouco. Minutos depois, o dólar voltou a registrar alta ante o real, e o Ibovespa engatou queda, com os riscos fiscais minando ganhos dos indicadores locais.

APESAR DE OTIMISMO, FED DEVE MANTER POSTURA CAUTELOSA

Apesar do número de inflação positivo desta manhã, a expectativa ainda é a de que o Fed continue mantendo uma comunicação mais conservadora, em especial considerando que os últimos dados de emprego nos EUA, divulgados na última sexta (7), mostraram força da economia.

O relatório de emprego americano, conhecido como “payroll”, mostrou que foram criadas 272 mil novas vagas de trabalho nos EUA em maio, bastante acima das expectativas de 180 mil postos de economistas consultados pela Bloomberg.

Marcelo Vieira, chefe da mesa de renda variável da Ville Capital, lembra que o mercado de trabalho costuma ser acompanhado de perto pelo Fed e é um dos principais fatores que influenciam as decisões de juros da autoridade monetária.

“O mercado de trabalho aquecido gera mais custos para as empresas, que terão que repassar esses valores. Além disso, há o aumento de renda, que gera mais consumo. São dois fatores muito fortes para a inflação”, diz Vieira.

Ele afirma, ainda, que a proximidade das eleições americanas deve limitar o poder de ação do banco central americano, que costuma se manter fora das discussões políticas. A previsão de desastres naturais com a temporada de tempestades americanas, que pode gerar picos inflacionários, também está no radar.

“O Fed tem a característica de ir falando com o mercado antes de mexer no instrumento de política monetária. Acho que o mercado vai cair numa realidade mais crua e fria. Nesta reunião, a expectativa para o comunicado é de uma manutenção de previsão de primeiro corte em setembro. Mas o mercado não está confiante nesse sentimento, porque os dados que vêm saindo estão mistos”, afirma Vieira.

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