Brasil deixa que R$ 1 tri de lucros e dividendos fique livre de pagar IR

Renda de lucro e dividendos, que passa ao largo da cobrança de impostos, é sinal inequívoco de que é preciso voltar a cobrar

Adriana Fernandes Brasília

Lucros e dividendos distribuídos pelas empresas brasileiras, livres de imposto de renda, têm crescido bem acima do ritmo médio da economia, atingindo R$ 1 trilhão em 2022, somados os valores enviados ao exterior e recebidos por pessoas físicas no Brasil.

Cinco anos antes, esses valores somavam pouco mais de R$ 400 bilhões. Num período de semiestagnação da economia nacional, com renda crescendo pouco acima da inflação, a renda de lucros e dividendos distribuídos aumentou 150% em valores nominais ou 90% em termos reais.

Dos R$ 830 bilhões distribuídos para brasileiros, 74% beneficiaram a parcela formada pelo 1% mais rico da sociedade, de acordo com cálculos do economista Sérgio Gobetti, do Ipea, feitos para a coluna.

Além disso, outros R$ 205 bilhões foram para o exterior também sem qualquer incidência de Imposto de Renda.

Uma realidade que é pouco destacada pelos especialistas que há anos tratam da necessidade de o Brasil voltar a tributar a distribuição de lucros e dividendos pago a acionistas de empresas, isenta no Brasil desde janeiro de 1996.

O ponto é que geralmente as análises são feitas olhando apenas para as famílias e desconsiderando tanto o valor enviado ao exterior como o valor que migra de uma empresa para outra.

Uma coisa é analisar o IRPF dos residentes brasileiros, que declararam em 2022 (último dado consolidado disponível) ter recebido os R$ 830 bilhões. Mas os lucros não são distribuídos apenas para residentes. São distribuídos e enviados para o exterior.

Esse aumento extraordinariamente alto da renda de lucros, tão superior aos salários, explica grande parte da elevação recente da concentração de renda no Brasil, na avaliação de Gobetti.

Nada justifica que o Brasil continue sendo um dos raros países do mundo em que lucros e dividendos são isentos ao serem distribuídos aos acionistas.

Entre os países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) apenas Estônia e Letônia não tributam lucros e dividendos. A Letônia ingressou na OCDE em 2016, o que mostra que em quase dez anos pouca coisa mudou em relação a essa tributação.

“O mínimo que podemos fazer é amenizar um pouco o processo de concentração de renda por meio da tributação dos dividendos ou de imposto mínimo sobre os milionários“, diz o pesquisador do Ipea, que há mais de uma década estuda o tema.

Além de ser politicamente mais fácil de ser aprovada, a implantação da proposta de um imposto mínimo para os milionários, ideia estudada pela equipe comandada pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda), pode ser uma resposta importante para a ausência de tributação de todo esse dinheiro que escapa da cobrança do IRPF.

Até que haja condições políticas para a aprovação de uma reforma da renda ampla, que inclua não só a redução das alíquotas do Imposto de Renda das empresas. Mas para isso, será preciso também cortar as exceções e os privilégios que cercam a tributação da renda. Mesma preocupação que ronda a reforma tributária do impostos sobre consumo (bens e serviços), cuja regulamentação está em discussão no Congresso.

A evolução da distribuição dos dividendos que passa ao largo da cobrança de impostos, nos últimos anos, é um sinal inequívoco que uma mudança precisa ser feita, a despeito das queixas e argumentos de quem não quer ser taxado.

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