Impossibilidade de exigência do PIS/Cofins-Importação na Zona Franca de Manaus com base no Gatt

Conjur – Alessandro Mendes Cardoso – Catharina Gabarra Tavares dos Santos – 26 de agosto de 2024, 13h23

AduaneiroTributário

O STJ (Superior Tribunal de Justiça) analisará sob o rito dos repetitivos, vinculado ao Tema 1.244, a “possibilidade de exigência das contribuições ao PIS-importação e à Cofins-importação, nas operações de importação de países signatários do Gatt, sobre mercadorias e bens destinados a consumo interno ou industrialização na Zona Franca de Manaus (ZFM)”.

O recurso especial fazendário afetado tem como objeto acórdão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que reconheceu a aplicabilidade da isenção do PIS e da Cofins sobre a entrada de produtos do mercado interno na ZFM, também para as hipóteses de entrada de produtos oriundos do estrangeiro sujeitos ao PIS-Importação e Cofins-Importação, com base no Acordo Geral de Tarifas e Comércio (Gatt).

A União argumenta que o Decreto Lei nº 288/67, ao regulamentar a Zona Franca de Manaus, prevê isenção na importação apenas para o Imposto de Importação (II) e para o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), nos termos do seu artigo 3º [1], não sendo possível estender essa sistemática fiscal ao PIS-Importação e à Cofins-Importação.

Nessa linha de raciocínio, o Fisco federal entende não ser possível equiparar o tratamento tributário dado às operações de entrada de produtos do mercado interno na Zona Franca de Manaus, que são isentas de PIS e Cofins, às remessas e ingressos de mercadorias de origem estrangeira, submetidas à incidência do PIS-Importação e da Cofins-Importação. Isso porque o próprio Gatt não autorizaria à equiparação da isenção das contribuições de PIS e da Cofins sobre o faturamento para a incidência sobre a importação, já que se tratam de tributos distintos, sendo incabível a equiparação por isonomia.

Este artigo tem como objetivo analisar essa controvérsia, que será dirimida pelo STJ, considerando-se o atual estágio da jurisprudência da Corte e a interpretação da legislação aplicável.

O Decreto-Lei nº 288/67, recepcionado pela Constituição, através do seu artigo 40 do ADCT, regulamentou a Zona Franca de Manaus, caracterizando-a como área de “livre comércio de importação e exportação e de incentivos fiscais especiais, estabelecida com a finalidade de criar no interior da Amazônia um centro industrial, comercial e agropecuário dotado de condições econômicas que permitam seu desenvolvimento, em face dos fatores locais e da grande distância, a que se encontram, os centros consumidores de seus produtos”.

Spacca

O objetivo dos incentivos e benefícios fiscais concedidos às empresas localizadas na Zona Franca de Manaus é o de promover o desenvolvimento regional da Amazônia, fomentar a sua ocupação e reduzir as desigualdades sociais existentes entre aquela região e as regiões centrais do país.

Quanto ao tratamento fiscal dado aos produtos nacionais, similares aos produtos estrangeiros importados (insumos e matérias primas), o artigo 4º [2] do DL 288/67 equipara as operações realizadas com a Zona Franca de Manaus a uma operação de exportação, com o intuito de desonerar as operações de vendas realizadas para aquela região.

Previsão de isenção de PIS e Cofins

Em razão da equiparação das operações realizadas com a Zona Franca de Manaus à operação de exportação, nos termos dos artigo 149, §2º, I, CF/88, artigos 5º da Lei nº 10.637/2002 e 6º da Lei nº 10.833/2003, há a expressa previsão de que tais operações são isentas da incidência do PIS e da Cofins.

No que se refere às operações de importação de matérias-primas e produtos intermediários, as mercadorias estrangeiras se sujeitam ao PIS-Importação e a Cofins-Importação nos termos do artigo 1º c/c artigo 5º da Lei nº 10.865/2004.

Ocorre que, nos termos do Gatt [3], é garantido o tratamento paritário aos produtos de uma parte contratante que entrem no território de outra parte contratante, de forma que não usufruam de tratamento menos favorável que o concedido a produtos similares de origem nacional, bem como a não sujeição destes produtos, direta ou indiretamente, a impostos ou outros tributos internos de qualquer espécie superiores aos que incidem, direta ou indiretamente, sobre produtos nacionais.

Neste ponto que se encontra a controvérsia. As mercadorias estrangeiras, que estão sujeitas ao PIS-Importação e à Cofins-Importação, ainda que sem a previsão de isenção nos termos do Decreto Lei nº 288/67, fazem jus à isenção destas contribuições com base no Gatt, de forma que não se submetam a tratamento menos favorável que o concedido aos produtos similares de origem nacional que estão isentos da incidência das contribuições.

Não é de hoje que se analisam as operações realizadas na ZFM e a finalidade para a qual foi instituída, com a pacificação do entendimento de que os benefícios fiscais direcionados para Zona Franca de Manaus devem ser amplos e o mais abrangentes possíveis, para neutralizar as desigualdades existentes no país em relação a esta região.

O STF (Supremo Tribunal Federal), [4] em diversas oportunidades, já reafirmou o entendimento de que os incentivos fiscais atinentes à ZFM são encampados pela Constituição e que se tratam de incentivos fiscais específicos para uma situação peculiar: neutralizar as desigualdades em prol do desenvolvimento do país, do fortalecimento da federação e da soberania nacional. Logo, não podem ser interpretados restritivamente.

E com base nas diretrizes que orientam a ZFM, bem como nas cláusulas expressas do Gatt, é que entendemos pela não incidência do PIS-Importação e da Cofins-Importação aos produtos estrangeiros importados (insumos e matérias primas) similares aos produtos nacionais.

Nos parece claro que deve ser reconhecido o direito dos contribuintes que estão estabelecidos na Zona Franca de Manaus, de usufruir do mesmo tratamento tributário dado aos produtos nacionais similares, aos produtos por eles importados.

Desenvolvimento econômico

Se a intenção da Zona Franca de Manaus é incentivar o desenvolvimento econômico da região, atraindo a implantação de um polo industrial, comercial e agropecuário na região, nada mais justo que conceder às empresas que ali se estabelecem, os incentivos fiscais de maneira mais ampla, inclusive destinado aos produtos estrangeiros similares aos produtos nacionais.

Se nos termos do Acordo do Gatt há a previsão de que a importação de produtos de países signatários não pode se sujeitar a tratamento fiscal menos favorável à aquele concedido, direta ou indiretamente, sobre os produtos nacionais similares, e, ainda, considerando as diretrizes da Zona Franca de Manaus, parece lógico que por simetria de tratamento não se pode exigir a contribuição na importação de bens estrangeiros de países signatários do Gatt, para comercialização interna na ZFM, já que não incide a contribuição do PIS e da Cofins na receita proveniente das operações de exportação de bens nacionais para a Zona Franca de Manaus.

O STJ possui poucos precedentes sobre a questão. No Recurso Especial nº 2.020.209/AM, a Corte entendeu pela incidência do PIS-Importação e da Cofins-Importação nas compras de produtos oriundos de países signatários do Gatt, para uso e consumo dentro da Zona Franca de Manaus.

Para o ministro relator Francisco Falcão, não se pode dar uma ampliação extensiva da isenção de IPI e II prevista no artigo 3º do Decreto-Lei 288/67 para o PIS-Importação e a Cofins-Importação. Isso tendo em vista que o PIS-Importação e a Cofins-Importação são contribuições instituídas pela Lei 10.864/2004, devidas pelo importador de produtos e serviços do exterior, diferentes daquelas incidentes sobre o faturamento e, portanto, não seria possível falar em equiparação para fins de isenção fiscal.

Entendeu-se, ainda, que o princípio do tratamento nacional previsto pelo Gatt, que estabelece tratamento igualitário aos produtos nacionais e importados, com o objetivo de evitar discriminações em virtude da imposição de impostos ou outros tributos internos sobre o produto importado, não se aplicaria ao PIS-Importação e a Cofins-Importação, por se tratar de situação distinta da tributação interna, razão pela qual não fica configurado o desrespeito ao acordo.

Para este segundo ponto, o ministro Francisco Falcão suscita precedentes da Corte [5] que trataram da legalidade do adicional de 1% da alíquota de Cofins-Importação, previsto no § 21 do artigo 8º da Lei nº 10.865/2004, afastando a aplicação da cláusula de obrigação de tratamento nacional prevista no Gatt para estes casos.

Contudo, nos parece equivocada tanto a análise isolada do Decreto-Lei 288/67, quanto a aplicação de tais precedentes.

Em que pese o Decreto-Lei 288/67 não prever de forma expressa a isenção do PIS-Importação e a Cofins-Importação, é certo que, como já dito, a intenção da Zona Franca de Manaus é incentivar o desenvolvimento econômico da região, garantido ao contribuinte ali estabelecido a concessão ampla de incentivos fiscais. E se no Gatt há essa previsão de equiparação de tratamentos tributários entre produtos similares estrangeiros e nacionais, a mais correta interpretação é no sentido que reconhecer o direito ao gozo desses benefícios de forma ampla a quem se encontra ali estabelecido.

Proteção aos produtos nacionais

Ademais, em relação aos precedentes suscitados no Recurso Especial nº 2020209/AM, através de uma análise mais cuidadosa, verifica-se que, na origem, a discussão se pautou na decisão do Supremo Tribunal Federal, no RE 1.178.310/PR, em repercussão geral, que decidiu pela constitucionalidade da majoração, em 1%, da alíquota da Cofins-Importação.

Porém, a constitucionalidade da majoração só foi possível por entender o STF que o ato normativo interno analisado “buscou equalizar [a] tributação dos bens produzidos no país com os importados de residentes e domiciliados no exterior” (RE 1.178.310/PR), já que foi instituída contribuição sobre o faturamento de segmentos econômicos específicos, de forma que os produtos vendidos no mercado interno passaram a ter o preço onerado, reduzindo a competitividade face aos mesmos produtos quantos importados.

Ou seja, nesse caso, a intenção foi proteger os produtos similares de origem nacional afastando tratamento menos favorável que o concedido aos produtos importados.

Por outro lado, deve-se destacar a decisão monocrática da Regina Helena que, embora não analise o mérito, nega seguimento ao REsp 2.063.196-AM da União, por entender que a tese de isenção na importação apenas para II e IPI, nos termos do artigo 3º do Decreto-Lei 288/67, se difere da fundamentação adotada pelo Tribunal de origem que entendeu pela isenção com base na impossibilidade de sujeitar os produtos importados a tratamento fiscal menos favorável do aquele concedido, direta ou indiretamente, aos produtos nacionais similares.

Com base nesta decisão da ministra Regina Helena, é possível identificar que se trata de uma análise conjunta das diretrizes da Zona Franca de Manaus e das cláusulas previstas no Gatt.

Caberá ao STJ, portanto, analisar em repetitivo, se de fato o artigo 3º do Decreto-Lei 288/67 se sobrepõe aos termos do Gatt, possibilitando a exigência das contribuições de PIS-importação e Cofins-importação, nas operações de importação de países signatários do Gatt, sobre mercadorias e bens destinados a consumo interno ou industrialização na ZFM que guardam similaridade com as mercadorias nacionais, ou se tais normas são passiveis de coexistência e aplicação conjunta.

A tese a ser definida no Tema 1.244, inclusive, impactará em outras teses de PIS-importação e à Cofins-importação na Zona Franca de Manaus, que tem como pano de fundo o tratamento igualitário fiscal entre as mercadorias nacionais e as importadas. Ou seja, se é dado tratamento igualitário aos bens nacionais e importados, garantindo a isenção do PIS-Importação e a Cofins-Importação, haverá fortalecimento no debate da tese de possibilidade de creditamento destas contribuições, créditos estes que podem ser descontados dos valores apurados de PIS e Cofins faturamento.

[1] Art 3º A entrada de mercadorias estrangeiras na Zona Franca, destinadas a seu consumo interno, industrialização em qualquer grau, inclusive beneficiamento, agropecuária, pesca, instalação e operação de indústrias e serviços de qualquer natureza e a estocagem para reexportação, será isenta dos impostos de importação, e sobre produtos industrializados.

[2]Art 4º A exportação de mercadorias de origem nacional para consumo ou industrialização na Zona Franca de Manaus, ou reexportação para o estrangeiro, será para todos os efeitos fiscais, constantes da legislação em vigor, equivalente a uma exportação brasileira para o estrangeiro.

[3] ARTIGO III – TRATAMENTO NACIONAL NO TOCANTE A TRIBUTAÇÃO E REGULAMENTAÇÃO INTERNAS.

Os produtos do território de qualquer Parte Contratante, importados por outra Parte Contratante, não estão sujeitos, direta ou indiretamente, a impostos ou outros tributos internos de qualquer espécie superiores aos que incidem, direta ou indiretamente, sobre produtos nacionais. Além disso nenhuma Parte Contratante aplicará de outro modo, impostos ou outros encargos internos a produtos nacionais ou importados, contrariamente aos princípios estabelecidos no parágrafo 1.
Os produtos de território de uma Parte Contratante que entrem no território de outra Parte Contratante não usufruirão tratamento menos favorável que o concedido a produtos similares de origem nacional, no que diz respeito às leis, regulamento e exigências relacionadas com a venda, oferta para venda, compra, transporte, distribuição e utilização no mercado interno. Os dispositivos deste parágrafo não impedirão a aplicação de tarifas de transporte internas diferenciais, desde que se baseiem exclusivamente na operação econômica dos meios de transporte e não na nacionalidade do produto.
[4] RE 592.891 com repercussão geral, Tema 322 – Creditamento IPI na entrada de insumos provenientes da Zona Franca de Manaus

[5] AgInt nos EDcl no REsp n. 1.860.343/SP e AgInt no AgInt no REsp n. 1.896.232/MG

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