Livro é ponta do iceberg no debate inesgotável sobre justiça tributária

Definir alíquota de impostos levando em conta a relevância do produto levará à multiplicação de normas e contenciosos

Folha de São Paulo – 15.abr.2021 às 21h08 – Gustavo Patu

É justo livrar os livros de impostos, para que fiquem mais baratos e possam ser consumidos por mais gente?

E quanto a arroz, feijão e outros alimentos da cesta básica? Remédios? Equipamentos hospitalares? Produtos de higiene diária? Transporte coletivo? Ônibus escolares? Artigos destinados a portadores de necessidades especiais?

Todas essas mercadorias e serviços gozam de alíquota zero de PIS e Cofins, as contribuições federais incidentes sobre o consumo, e seriam atingidas pela proposta de reforma tributária do governo ou por outras que tramitam no Congresso.
Ao grupo se juntam outros produtos e operações de menor apelo, como partes de veículos, aeronaves e embarcações, de materiais militares, de bens de informática. A depender da contagem, a lista pode incluir milhares de itens.

Objeto da polêmica mais recente, o livro é uma ponta de iceberg no debate inesgotável sobre justiça e complexidade tributárias. As duas, afinal, caminham juntas.

Se buscarmos um sistema de impostos que, na hora de definir as alíquotas incidentes sobre cada produto, leve em conta sua relevância para a população, a conjuntura do setor e o contexto regional, teremos uma multiplicação de normas, de burocracia e de contenciosos judiciais.

Em alguns casos, a tributação parecerá justa; em outros, haverá a impressão de que lobbies influentes conseguiram vantagens indevidas.

A isenção e a alíquota zero concedidas para certos produtos e situações significará taxação maior de outras mercadorias e transações, a fim de preservar a receita pública.

Cada tentativa de rearranjo dos tributos será recebida com veemente rejeição pelos setores prejudicados e com indiferença pelos demais.
O sistema brasileiro atual se aproxima bastante dessa descrição. Dados objetivos, como o número de horas gastas pelas empresas com papelada e pagamentos, o incluem entre os mais complexos do mundo. E, ainda por cima, é considerado injusto também.

Como simplificar isso e, ao mesmo tempo, tornar a coisa mais justa (ou ao menos não ainda mais injusta)? Não há uma resposta científica para a questão, mas a prática internacional mostra alguns pontos de convergência.

A grande maioria dos países mais desenvolvidos simplifica a tributação sobre as mercadorias e serviços, com poucas alíquotas básicas —por vezes uma só— e poucas exceções. Já a justiça social é buscada na tributação da renda, onerando os mais ricos e poupando os mais pobres, ou por meio da despesa pública.

No Brasil, direita, centro e esquerda tendem a concordar pelo menos com a primeira parte da fórmula, a da simplificação —é o que se busca em reformas propostas por PT, PSDB e Jair Bolsonaro. Ainda assim, as dificuldades vão muito além das ideologias.

“Se fosse ocorrer uma reforma tributária, haveria uma forte redistribuição da carga entre os contribuintes”, como diz Josué Pellegrini, da Instituição Fiscal Independente, vinculada ao Senado. “Esse é um grande fator de resistência.”

Para atenuar resistências políticas, o projeto do governo (que se limita a unificar PIS e Cofins, sem mexer em tributos estaduais e municipais) preserva a alíquota zero para a cesta básica.

Já a Proposta de Emenda Constitucional 45, baseada em estudos do Centro de Cidadania Fiscal, prevê que a taxação desses alimentos seja compensada por um programa de devolução dos recursos arrecadados de famílias mais pobres.

O economista Bernard Appy, do centro, imagina que esse programa possa envolver cerca de metade do que desembolsa hoje o Bolsa Família.
A questão dos livros tem complicadores adicionais, porque o artigo 150 da Constituição de 1988 proíbe instituir impostos sobre eles —e também sobre jornais, templos e partidos, entre outros. O projeto de Bolsonaro não muda isso, mas prevê a cobrança de uma nova contribuição social, uma modalidade de tributo que se distingue juridicamente dos impostos.

De todo modo, é questão de entrar numa seara da legislação que não é regida apenas por critérios econômicos e de racionalidade tributária.
Fonte:

https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2021/04/livro-e-ponta-do-iceberg-no-debate-inesgotavel-sobre-justica-tributaria.shtml

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