Artigo – Despachantes aduaneiros, o que muda com a nova Resolução 62/2021?

Há exatos 83 dias, o acórdão nº 535, proveniente da Reunião Ordinária da Diretoria Colegiada da Antaq, declarou “irregular e abusiva a prática de responsabilização solidária dos despachantes aduaneiros por débitos relativos à demurrage de contêineres”.

A decisão soou como um bálsamo aos Despachantes Aduaneiros, que se sentiam compelidos a se responsabilizarem por débitos que não contraíram, estabelecendo importante precedente na Agência Reguladora.

Pois bem, a contrário senso, no último dia 1, a Antaq, na Resolução 62/2021, em seu artigo 13, dispôs: “Os transportadores marítimos e os agentes intermediários somente poderão cobrar valores do embarcador, consignatário, endossatário ou portador do conhecimento de carga — BL —, sendo vedada a cobrança direta a terceiros estranhos à relação jurídica”.

Ainda asseverou: “O agente intermediário, atuando exclusivamente como agente marítimo, conforme as atribuições dispostas no art. 2º, inciso II, alínea “b” desta Resolução, somente poderá cobrar do embarcador, consignatário, endossatário, portador do BL, devedor solidário ou daquele expressamente designado em instrumento contratual específico, aqueles valores que são devidos ao transportador marítimo”.

Importante questionamento, fez o Dr. Marcel Stivaletti, em rede social. Cumpre colacioná-lo: “A “sutil” inserção do “devedor solidário” e “daquele expressamente designado em instrumento contratual específico” no artigo 13 da RN62 instará o seguinte questionamento: a simples aposição da assinatura no termo de responsabilidade sobre a devolução de contêiner, por si só, autorizará a cobrança em detrimento do Despachante Aduaneiro? E a condição de mero mandatário, representante do importador e responsável apenas pelo desembaraço, corrobora o enquadramento do despachante como “terceiro, estranho à relação jurídica”?”.

Primeiramente, ressalta-se que o Despachante Aduaneiro é um prestador de serviço, representante do contratante — importador ou exportador — e tem como principal função o desembaraço aduaneiro, de modo que, por exemplo, não tem competência para desovar a carga e devolver o contêiner — muitas vezes, sequer tem ciência do local onde se encontra.

Costumeiramente, os armadores incluem no “Termo de Responsabilidade para Devolução de Contêineres” uma cláusula responsabilizando solidariamente o despachante aduaneiro que, conforme acima explicitado, apenas representa seu contratante. Sem saída, vez que a liberação da mercadoria transportada pelo armador depende da assinatura deste documento, os Despachantes avalizam responsabilidades que sequer têm meios de fazer cumprir.

Trazendo ao liame advocatício, é o mesmo que obrigar o advogado, na qualidade de representante de seu cliente, (pelo efeito do mandato de procuração), ao pagamento dos dias-multa decorrentes do descumprimento de reprimenda imposta pelo poder judiciário e descumprida pelo cliente outorgante.

Cumpre asseverar que o Decreto-Lei No 4.014, de 13 de Janeiro de 1942, o qual dispõe sobre as atividades de despachantes aduaneiros, assevera, em seu artigo 28, que “… As relações que mantiverem com os comitentes serão reguladas pelas leis que regem o mandato…”, fato este que nos leva, consequentemente, ao artigo 653, do Código Civil:

“653. Opera-se o mandato quando alguém recebe de outrem, poderes para, em seu nome, praticar atos ou administrar interesses.”

Assim, o mandatário, como o caso do Despachante Aduaneiro, opera sempre a mando de outrem, devendo suas ações serem consideradas ações do próprio mandante e não suas, a tal passo que qualquer indiligência culposa, é indenizável, nos moldes do artigo 667 do mesmo diploma legal.

Depreende-se, inclusive, que eventual responsabilidade indenizatória se estabelece entre mandante e mandatário, por fatos oriundos da execução do mandato, excluindo-se, portanto, a responsabilidade pelos atos a que se obrigou o mandante, junto ao armador, fato este decorrente da própria natureza jurídica do mandato.

Nesses moldes, tem-se limitativo expresso pelas legislações vigentes, de modo que entender de maneira diversa afronta notoriamente os princípios norteadores da administração pública, à qual também se submete a Antaq, vez que integrante da Administração Pública Federal indireta.

Inobstante, o poder judiciário também tem aceitado a responsabilidade solidária do Despachante Aduaneiro, levando-se em conta, notoriamente, a literalidade do vínculo jurídico estabelecido em instrumento particular, sem considerar as abusividades nele contidas ou o desempenho efetivo de cada figura contratual.

A Antaq, por sua vez, órgão de regulação, detém atribuição para ponderar sobre as responsabilidades dos players envolvidos no transporte marítimo.

Dessa forma, em resposta ao questionamento título destes breves comentários, tem-se que a Resolução 62/2021 faz permear os mesmos questionamentos deixado pela anterior regulamentação (RN 18/2017), de modo que, inevitavelmente, se levadas apenas ao Poder Judiciário, de certo a prática se convalidará e perpetuará no tempo.

Paula Franco é advogada no escritório de advocacia Ruy de Mello Miller

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